segunda-feira, 12 de abril de 2010

Génese da Realidade Virtual

A génese da Realidade Virtual pode ser apontada na necessidade humana de representação realista de espaços reais ou ficcionais que se traduziu no realismo de representação pictórica, e utilização da perspectiva como meio de representação espacial imersivo (Gombrich, 2008; Grau, 2003). A tecnologia foi utilizada como elemento de criação de espaços imersivos, caso dos panoramas, representações pictóricas em 360º que colocavam os espectadores em outros espaços ou tempos, em experiências similares às que hoje temos quando interagimos em Realidade Virtual ou espaços virtuais (Grau, 2003). O desenvolvimento das tecnologias digitais e de informação no século XX possibilitou a criação de sistemas cada vez mais avançados de geração de ambientes virtuais imersivos realistas. Em parte, essa tendência de desenvolvimento contínuo pode ser atribuída ao que Grau observa como um ciclo de exposição a um media que vai do deslumbre ao desdém: “When a new medium of illusion is introduced, it opens a gap between the power of the image’s effect and conscious/reflected distancing in the observer. This gap narrows again with increasing exposure and there is a reversion to conscious appraisal. Habituation chips away at the illusion, and soon it no longer has the power to captivate” (2003, p. 152).

Grady (2003) refere que nos anos 20 do século XX Edwin Link começou a trabalhar nos primeiros simuladores de voo, primeiro como atracção de feira mas que foi adoptado pelas forças militares norte-americanas para treinar os seus pilotos. Inicialmente estes eram sistemas mecânicos que transmitiam a sensação de controlar uma aeronave, mas foram evoluindo com a tecnologia, incorporando ecrãs que projectavam imagens reais de voo, sobrevoo de modelos de terreno (Craig, Sherman, & Will, 2009) e computadores electrónicos. Sendo precursores dos actuais simuladores avançados, estes apresentavam limitações de capacidade de simulação das condições de voo e obsolescência rápida.

Um dos dispositivos percursores dos modernos sistemas de Realidade Virtual (Grady, 2003) foi o Sensorama, criado em 1956 por Morton Heilig, um dispositivo mecânico de simulação sensorial imersivo que permitia experimentar percursos pré-filmados em estereoscopia em som estereofónico, com geradores de olfactivos e vento. A tecnologia da época não permitia que este sistema fosse interactivo (Craig, Sherman, & Will, 2009; Grady, 2003), embora tenha tido algum sucesso no campo entretenimento, instalado em parques de diversão (Rheingold, 1997). O mesmo inventor patenteou o sistema Cinerama, dispositivo de visualização 3d e experiência multisensorial em que um utilizador vivenciava uma experiência desenhada em diversos sentidos: visual, auditivo, olfacto, háptico (Craig, Sherman, & Will, 2009) e um capacete com auscultadores, e projecção estereoscópica de diapositivos (Grau, 2003) que Grady (2003) considera um percursor dos dispositivos Head Mounted Display.

Nos anos 60 do século XX, Ivan Sutherland, pioneiro dos gráficos de computador com o Sketchpad, interface gráfico que permitia desenhar no ecrã de raios catódicos com uma caneta de luz, desenvolveu o sistema Dâmocles (Craig, Sherman, & Will, 2009; Grady, 2003), considerado o primeiro sistema de HMD que envolvia um capacete com ecrãs suspenso num braço mecânico (Kirner & Siscouto, 2008). Este parte do conceito descrito por Sutherland no seu artigo de 1965 The Ultimate Display, onde preconiza um “immersive-visualization system that people could use the same way they used any object in the real world” (Grady, 2003, p. 35) como uma sala controlada por um computador que poderia modificar a forma de qualquer objecto no seu interior, metáfora que Grau compara à janela de Alberti (2003, p. 162).

O desenvolvimento de sistemas hápticos foi lançado pelo projecto GROPE, liderado por Frederick Brooks, UNC Chapel Hill 1967. Inspirado no trabalho de Sutherland, foi centrado em tarefas específicas de manipulação de moléculas, levando ao desenvolvimento dos primeiros sistemas de force feedback que transmitem ao utilizador a sensação de toque (Craig, Sherman, & Will, 2009; Grady, 2003).

O projecto artístico Videoplace, criado por Myron Krueger possibilitava aos utilizadores interagir com silhuetas geradas por vídeo através de computadores. Este, e outros projectos do artista (Glowflow, Metaplay) centravam-se num conceito de interacção realidade virtual que utilizava o computador para rastrear as acções dos utilizadores, ao invés da utilização de equipamentos pouco práticos. Este sistema apresentava um ponto de vista de segunda pessoa no espaço virtual (Craig, Sherman, & Will, 2009). Grady (2003) considera-o percursor do conceito de Realidade Aumentada.
Nos anos 70 foi desenvolvido no MIT o Aspen Movie Map, uma simulação da cidade de Aspen que permitia aos utilizadores navegar pela cidade em representações fotográficas ou poligonais.

As necessidades de treino e auxílio às missões de pilotos de combate levaram ao desenvolvimento dos sistemas HUD (Head-Up Display), criando uma camada de informação sobreposta à visão do piloto que deixava de necessitar de controlar constantemente os indicadores do cockpit da aeronave, e o HMD VCASS (Visually Coupled Airborne Systems Simulator) desenvolvido por Thomas Furness no centro de pesquisas da base de Wright-Patterson, cujos ecrãs apresentavam uma simulação em tempo real da visão de um piloto (Grady, 2003; Grau, 2003). Estes são alguns exemplos de sistemas desenvolvidos dentro de uma estreita ligação entre a pesquisa em Realidade Virtual e a indústria de defesa (Grau, 2003).

A necessidade de pesquisa e desenvolvimento de sistemas de treino de pilotos para missões astronáuticas de custo aceitável levou o Ames Research Center da NASA a grandes avanços no campo da Realidade Virtual nos anos 80 numa equipa liderada por Michael McGreevy. Introduziram o sistema VIEW (Virtual Interactive Environment Workstation), que incluía um visualizador de grande ângulo estereoscópico, luvas com interface tácitl e múltiplos graus de liberdade, síntese e reconhecimento de voz, espacialização sonora tridimensional, rastreamento de movimentos, e geração de imagem tridimensional e vídeo em tempo real, incorporando e ampliando as tecnologias desenvolvidas por Sutherland, Brook, Krueger e Furness (Grady, 2003).
Jaron Lanier, apontado como o inventor do termo Realidade Virtual (Kirner & Tori, 2006), lançou a VPL, empresa focalizada no desenvolvimento de sistemas de Realidade Virtual, tendo desenvolvido o sistema RB2 (Reality Built for Two) controlado por um computador Macintosh e duas estações de trabalho Silicon Graphics, cujos interfaces de visualização, manipulação e interacção no espaço virtual incluíam Datagloves e o EyePhone, versão da VPL do ecrã HMD desenvolvido pelos investigadores da NASA (Grady, 2003). Estes foram os primeiros sistemas comerciais de Realidade Virtual (Grau, 2003).

O Electronic Visualization Laboratory da Universidade do Illinois, Chicago desenvolveu em 1992 o primeiro sistema imersivo CAVE, composto por um espaço com múltiplas telas de projecção, com interacção através de luvas e óculos estereoscópicos.

Grady refere que o desenvolvimento exponencial das capacidades computacionais e gráficas do hardware digital permitiu à Realidade Virtual libertar-se dos equipamentos caros e pouco práticos, até ao momento presente que em afirma que a maior parte dos computadores permite fornecer experiências similares (embora não em toda a linha) aos sistemas mais complexos de Realidade Virtual (2003, p. 60), capazes de reagir às acções do utilizador sem tempo de latência. A possibilidade de experimentar realidade virtual através da internet surgiu com a linguagem VRML, embora Grady observe que a promessa desta linguagem de disseminar a utilização de gráficos 3D na internet não tenha sido cumprida.