terça-feira, 19 de junho de 2012

Railsea


China Miéville (2012). Railsea. Nova Iorque: Del Rey.

Imaginem, se de tal forem capazes. E se não o forem, as palavras de Miéville depressa vos geram imagens na mente. Imaginem: um mundo coberto de vias férreas, linhas que volteiam e se entrecruzam em vastas planícies. Imaginem que a humanidade se acotovelava em ilhas que sobressaíam por entre o emaranhado de caminhos de ferro. Imaginem uma fauna perigosa de mamíferos subterrâneos que emerge mortífera por entre a terra que segura os carris. Imaginem locomotivas e vagões a navegar nos oceanos ferroviários. Comboios militares ferronavais. Nómadas que percorrem as vias férreas em comboios à vela. Comboios de mercadorias a saltitar entre carris interligando portos ferroviários. E comboios de caça às criaturas que percorrem o subsolo, baleeiros das ferrovias que atravessam carris em busca de portentosos mamíferos mortíferos.

 É neste cenário exótico e surreal que se desenvolve Railsea, misto de história de crescimento com homenagem fantástica a Moby Dick. O indeciso jovem Sham Op Soop embarca como aprendiz no Medes, comboio de caça a toupeiras gigantes capitaneado por uma mulher obcecada em capturar a maior destas gigantes. Mergulhando na aventura do mar ferroviário, acaba por descobrir a sua vocação de explorador das vias férreas através do encontro com um par de jovens recuperadores de material descendentes de exploradores que teriam encontrado o limite inimaginável do mar de ferro: uma linha férrea única até ao horizonte. Piratas das vias férreas, recuperadores de destroços, caçadores de toupeiras e nómadas ferroviários vêem-se envolvidos numa viagem épica que os leva para lá do horizonte, através dos mitos e até à impossível estação terminal onde os descendentes andrajosos dos construtores de caminhos de ferro aguardam a possibilidade de cobrar bilhetes aos passageiros. Para lá do terminal reside a promessa de novas aventuras no mar aquoso, de caça a animais submersos.

 Os óbvios traços de Melville são depressa esbatidos pela diversidade imaginativa do panorama fantástico deste romance. Note-se que estou a utilizar fantástico como género, designando a forma literária, e não como adjectivo. É este panorama onde Miéville deixa a sua imaginação correr sem limites, traçando com precisão um mundo de fantasia sugerido como futurista, onde restos de alta tecnologia são recuperados do subsolo coberto de vias férras, a terra é considerada nociva, e se contam lendas de um passado distante pautadas por cidades e um mundo que não estava rodeado de vias férreas a perder de vista. Mergulhar em Railsea é sentir fantasia especulativa pura, num voo de imaginação sem limtes.