domingo, 9 de dezembro de 2012

Engenho aritmético

Hoje é o dia de fingir que se é viajante no tempo e o Geekdad tem uma série de sugestões engraçadas, deliciosamente geekys. Como utilizar construções frásicas anormais ou ter ataques de pânico em frente a automóveis ou fornos microondas, essas tecnologias incompreensíveis. Também é um bom dia para desempoeirar os fatos steampunk.

E eu, preso ao computador a ultimar as avaliações dos meus duzentos e vinte alunos espalhados por nove turmas só consigo resmungar. Recordo as frases memoráveis do livro A Família Em Rede quando Papert se interroga sobre o que pensaria um cirurgião do século XIX caso entrasse numa sala de operações do século XX. Seria capaz de pegar num escalpe e operar um paciente? Já quanto a um professor do século XIX? Colocado numa sala de aula do século XX, seria capaz de dar aulas e ensinar alunos? Por isso, fiel ao espírito do dia, vou-me imaginar professor transplantado de um qualquer liceu central de mil e novecentos maravilhado com esta coisa com páginas que mexem a cores e botõezinhos que evitem que suje os dedos com o mergulhar do aparo no tinteiro. E parece que já não tenho que manuscrever as avaliações numéricas e descritivas naquelas folhas enormes em que um erro ou pequeno borrão de tinta obrigam a reescrever de novo. E até me disseram que de uma forma que parece de magia este objecto, chamam-lhe cômputo, cômputador? Não sei se gosto deste nome, recorda-me as mulheres levianas que exercem o seu métier nas esquinas e ruelas de Alfama, mas dizem-me que tem uns mecanismos muito muito pequeninos que fazem cálculos muito, muito depressa... porque não lhe chamaram máquina aritmética, ó incultas gerações futuras? Dizem que não tem mecanismo de relógio, balancetes e rodas dentadas cá dentro mas eu não acredito. Isto tem que ter qualquer coisa do engenho mecânico. Mas tergiverso, estava a pensar naquele milagre de escrever tudo o que for preciso em muitas folhinhas porque dizem-me que basta ligar este cômputo a um objecto chamado impressora, que parece que faria a inveja do senhor Gutenberg. Se bem que fico apoquentado por meter este objecto frágil ao pé de uma prensa tipográfica, com todas aquelas placas, roldanas e vapores, mas enfim, dizem-me que até isso mudou! Acho que só não posso é dar um sopapo bem aplicado naqueles alunos mais preguiçosos. De resto é tudo igual. O trabalho apela-me e terei de ir matar o bicho com um copo de três ali na tasca da esquina, e depois passar pela pharmácia buscar uma tintura que me dê energia para as próximas horas. Mas agora voltemos lá às tabelinhas com nomes dos meninos. E meninas. E meninas? Que pouca vergonhice foi esta?