domingo, 27 de janeiro de 2013

Moda apostólica


Por pouco, por muito pouco, quase um momento a vida a imitar a arte. Estas imagens de um desfile de moda clerical publicadas no Neatorama fizeram-me recordar uma das mais surreais e tenebrosas cenas do sublime Roma de Fellini: a do desfile eclesiástico, onde a música de Nino Rota sublinha a estranheza e o excesso barroco da sumptuosidade clerical vista pelo olhar único de Fellini. Figuras religiosas a saltaricar com coloridas vestes de moda inovadora na passadeira... note-se que o desfile da notícia é anglicano e não apostólico romano, mas aquele frémito de estranheza, a sensação de a realidade acabou de imitar um filme de Fellini, isso já ninguém me tira.


O filme é uma ode do realizador à cidade eterna, composto de vinhetas que nos dão um olhar fragmentado sobre a cidade. A cena que mais me assombra é a do choque entre o passado e o presente, quando arqueólogos encontram uma antiga casa romana recheada de frescos na escavação de um túnel de metro. É um momento maravilhoso, com o olhar contemporâneo a contemplar os rostos pintados nas paredes soterradas à milénios. Um olhar que tão depressa nos assombra como se desvanece, com o ar da Roma moderna a desfazer os vetustos pigmentos em pó. Rostos milenares, tão similares aos de hoje, desvanecendo-se em nuvens de pigmentos, um passado que se esfuma ao chocar com o futuro. Assombroso.