terça-feira, 19 de março de 2013

Specweek


 Aproveitem e passem pelo pavilhão de Macau no parque público de Loures para visitar uma pequena exposição cheia de material interessante. Ilustração de ficção científica e fantástico, saída da mão de jovens criadores portugueses que estão a mostrar muita criatividade, inventividade e um sólido domínio progressivo de diferentes técnicas de expressão.


Não pude deixar de sentir um forte toque pré-rafaelita nos trabalhos de Ana Baptista, que se caracterizam por composição icónica e uma intrigante aura de mistério. Recorda os desenhos iniciáticos dos ocultistas do século XVII e XVIII.


Os trabalhos de Catarina Guerreiro atraem pelo seu toque de inocência e deslumbramento pela fantasia clássica do conto de fadas tradicional, assente sobre sólidas composições gráficas e um uso comedido da paleta de cores.


Toque de Ficção Cientifica nos trabalhos digitais de Gastão Travado. O meu olhar treinado leva-me a ver estas obras como parte da estética Bryce/DAZ3D/Vue, com os seus renderings que misturam hiperrealismo com grafismos.


A clássica linha preta que revolteia na folha e encanta o olho está em evidência nestes desenhos estrondosos de João Raz. É particularmente interessante o seu uso de contrastes absolutos para evidenciar a forma.


Destes trabalhos de Sara Mena desprende-se um lirismo expressivo, diluição da imagem real nas manchas e traços de cor.

Salientei trabalhos que atraíram o meu olhar, mas a exposição não se esgota por aqui. A diversidade é muito grande e a qualidade heterogénea, o que é de esperar numa iniciativa deste género que dá visibilidade a artistas jovens, muitos dos quais auto-didactas. Notou-se em boa parte dos trabalhos expostos uma certa crueza estilística e incipiência no domínio de técnicas pictóricas, grafismo, proporções do corpo humano e perspectiva. Friso que isto não é uma crítica destrutiva, antes pelo contrário. As falhas e incipiências corrigem-se com experiência, e esta adquire-se trabalhando. O que esta exposição mostra é a existência de uma comunidade jovem criativa que não tem medo de se expor e está em constante e visível evolução. Esperemos que não desista e baixe os braços face às pressões contemporâneas.

Tive ainda oportunidade de assistir a um pouco da SpecTalk sobre videojogos onde o concept artist Bruno Krippahl e os game designers Nélio Codices e Miguel Nogueira partilharam experiências sobre o mercado dos jogos em Portugal, sublinhando a necessidade de equilíbrio entre ambição, boa gestão, definição clara de objectivos e públicos-alvo, criatividade e grafismo cuidado. Fiquei surpreendido com a dimensão da indústria nacional, que se normalizou, explora activamente nichos de mercado, movimenta valores surpreendentes e se está a posicionar globalmente graças ao nivelamento trazido pela internet, em particular pelas app stores e plataformas móveis, que quebram o domínio dos grandes estúdios e distribuidores no mercado das consolas e jogos de PC. Também fiquei siderado pelo remake do jogo Deus Ex Machina onde Bruno Krippahl oscila entre o psicadelismo alucinado e o steampunk, mas essencialmente o mais interessante na palestra foi o sublinhar do equilíbrio entre criatividade e profissionalismo mostrado, bem como o realismo sobre as reais possibilidades de sucesso. A opinião dominante incide sobre criar múltiplos pequenos projectos de qualidade ao invés de investir num projecto demasiado ambicioso. Pequenos sucessos acumulam-se e geram identificação positiva entre os utilizadores. As grandes apostas têm tendência a falhar estrondosamente. Sinais de maturidade, intrigantes para quem como eu é totalmente outsider  ao panorama dos jogos.

As palestras terminaram, mas a exposição mantém-se. A organização e os intervenientes estão de parabéns pelo esforço e trabalho investido na vertente gráfica da ficção científica e fantasia em português.