quarta-feira, 3 de julho de 2013

The Rook


Daniel O'Malley (2012). The Rook. Nova Iorque: Little, Brown and Co.

Esta foi uma das mais agradavelmente surpreendentes leituras que me passou pelas mãos nos últimos tempos. Diga-se que vinha bem recomendada, com duplos elogios nas páginas de crítica da Interzone e da Bang!, onde João Barreiros abre o apetite para este curioso livro.

Bem vindos ao mundo da Checquy, uma centenária agência britânica ultra-secreta cuja missão é a de defender o reino de ameaças sobrenaturais. Recruta os seus funcionários entre os mais bem sucedidos membros da função pública e depende de agentes com poderes estranhos, retirados enquanto bebés às famílias e educados numa escola especial onde são treinados em artes marciais, etiqueta e uso dos seus poderes. Nesta organização centenária de hierarquia é bizantina as tradições fossilizam e a burocracia acumula-se. Os seus maiores inimigos, para além das ameaças ocultas pontuais que se sucedem aleatoriamente, são um grupo secreto de alquimistas belgas que no renascimento levou a arte da manipulação da carne humana os limites extremos e tentou invadir as ilhas britânicas há quinhentos anos atrás. Mas há outra ameaça, mais insidiosa, que poderá destruir de vez a organização.

A história desenrola-se pelos olhos de Myfanwy, um Castelo, peça de charneira na organização, administradora exemplar que oculta os seus poderes e que é revelada nas primeiras páginas rodeada de cadáveres e com uma amnésia profunda. A reconstrução da sua personalidade é feita através de mensagens que escreveu a si própria, antevendo a perda de memória e o atentado à sua vida por ter descoberto uma conspiração secreta dentro da organização.

É este desvendar atribulado que dá um gostinho especial ao livro. Com o artifício da amnésia, o autor não precisa de se perder em áridos infodumps para situar o leitor na narrativa. Os infodumps aqui são parte essencial da história, porque a personagem principal, tal como nós, está a descobrir pela primeira vez os meandros, segredos e história da Checquy. O autor também não perde tempo com recuperações miraculosas de personalidade. A antiga Myfanwy desaparece, com as suas memórias. A nova Myfanwy tem uma personalidade muito distinta, renovada e capaz de levar longe as suas aptidões.

O livro já é divertido pela história fictícia de uma organização secreta, e O'Malley torna-o ainda mais interessante pelas peripécias causadas por criaturas horrendas de poderes estranhos ou perversidades de figuras melífulas. Ajuda o estilo literário ser muito espirituoso, alternando entre descrição, horror puro e piadas elegantes que requerem atenção ao texto e conhecimento dos géneros de literatura fantástica, que deleitam quem as decifra. Como exemplo, o autor comenta um chá entre um representante da Checquy nas américas e a mulher do presidente Washington nos meses que se seguiram à independência americana como "uma chávena de chá livre de impostos". É o melhor do humor inglês que está em evidência neste género de afirmações espirituosas. The Rook joga muito bem com as premissas do horror e da espionagem, com uma forte dose de bom humor e acção bem medida.