segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Leituras

Bruce Sterling answers your questions: Sterling em grande forma, a responder a questões de utilizadores do Slashdot. Em rajadas rápidas desmonta o mito preditivo de 1984 e Brave New World. Aponta Aelita como o exemplo maior de distopia, referindo que o filme se o bizarro filme é forçado a ter um final utópico por imposição dos comissários soviéticos poucos anos depois toda a equipe estava a frequentar gulags. Também muito certeiro na morte criativa por grupo de foco de Hollywood e no olhar para Bollywood como local onde ainda não têm medo de fazer coisas bizarras, e aponta o genial cyberpunk made in bollywood Endhiran como exemplo de como ele gostaria de ver as suas obras adaptadas ao grande ecrã. É particularmente arrepiante na sua visão da decadência da ficção científica enquanto força cultural: "We've gone away from science because our whole society's gone away from science. We're in a science-hostile society now, it's politically dominated by Creationists and climate denialists. "Science fiction" was created in an American 1920s society that had heaps of fiction and a little bit of science. Now we're in a society that's increasingly indifferent to both its fiction and its science. The core audience of techie guys who might like "hard science fiction," they wouldn't have a lot of spare time to read print nowadays. They're in Maker spaces, they like Kickstarters. They don't read any 1920s Hugo Gernsback paper mags about scientifiction and crystal-radio sets. They read Slashdot.". Certeiro no que toca à hostilidade social perante a ciência. Basta olhar para as polémicas anti-vacinação que correm por aí, ou o emergir dos esoterismos encarados com seriedade quase religiosa, e no caso americano a influência de grupos fundamentalistas religiosos na definição de currículos educativos nas áreas científicas. A elegância com que foge ao argumento de a fc está a decair porque parece que vivemos no futuro é notável. Pois, certo. Aqueles que vivem no futuro estão demasiado ocupados a criar e construir do que a ler projecções futuristas.

Quanto à estética cyberpunk, Sterling é implacável: "as for the "cyberpunk" part, forget about "the movies." Abstract motion-graphics coded in Processing and posted on Vimeo, that's "cyberpunk." You don't wanna make movies that are about guys with computers. You want to use digital composition to seize control of the means of producing cinema. And then do it all yourself! That's "punk." Hollywood product is commerce, it's about fanboy culture." Não procurem a iconografia cheia de detalhes visuais mas vazia de conteúdos, diz-nos. O espírito do cyberpunk está bem vivo nas comunidades de artistas que utilizam e reinventam os meios digitais para abrir novas vertentes de exploração estética, e não nos produtos de entretenimento que entopem a cultura popular.

Sinceramente, se não conhecem o filme Endhiran, vão descobri-lo. É qualquer coisa de assombroso, mau filme com efeitos especiais de topo e momentos lunáticos de absoluta insanidade. Acreditem que a sinopse an human-android constructed by a scientist falls in love with the to-be bride of his creator do IMDB não faz justiça a este filme de espanto.

Creepypasta: Num misto de técnicas copy-paste, discussões de fóruns e lenda urbana grupos de leitores/escritores estão a redefinir o conceito de quem conta um conto acrescenta um ponto e a repensar a ficção de terror na internet. Com pérolas assombrosas num imenso mar de mediocridade, esta tendência de contar de histórias em ambiente de sabedoria das multidões é ao mesmo tempo um hino ao grotesco e arrepiante e um sublinhar da necessidade de fuga aos medos reais que nos assolam no dia a dia. E também como um constante mas reprimido medo nos acompanha na vida digital: "As for the haunted attachments, games and files, our use of networked computers is daily coloured by fear of infection and corruption, of predators and those who would assume our identity, of viruses and data-sucking catastrophes. What if something dark is able to breach that all-important final firewall, the gap between the central processing unit and the person sitting at the keyboard? ".

A Scientist Predicts the Future: Estas predições de tendências de Michio Kaku são bastante amenas, dentro da linha do positivismo tecnológico. Mas houve uma que me deixou boquiaberto: capitalism will be perfected. A sério? Tanto optimismo na mão invisível do mercado na era em que reina o capitalismo auto-fágico selvático alastrante e a erosão dos direitos sociais e laborais é constante, onde a erosão dos pilares da moderna sociedade democrática ameaça a derrocada das instituições que nos definem e um regresso aos tempos de profunda desigualdade em que a humanidade viveu durante milénios.

The Infinity Augmented Reality Concept Video - YouTube: Ou como impingir os conceitos de realidade aumentada aos oligarcas. Confesso que fiquei chocado ao ver este flatpack future (adoro esta expressão do Bruce Sterling que qualifica muito bem as visões futuristas limpas e luzidias criadas pelos departamentos de marketing das empresas tecnológicas). Um tipo que conduz um ferrari, usa apps para fazer batota ao bilhar e engata a empregada do bar com uma ajudinha digital é a metáfora encontrada para demonstrar as virtudes da realidade aumentada, versão óculos que sobrepõem informação sobre o espaço real. É toda uma nova definição de glasshole. Esta visão design fiction/flatpack future é muito creepy.

Undocumented Feature: Recordam-se do conceito de comunidade de prática? A ideia de grupos de pessoas que no espaço digital se cruzam, encontram e estabelecem comunidades virtuais que se vão sobrepondo aos laços reais porque é através de meios digitais que conseguem encontrar outros que partilhem dos mesmos interesses? É esse o cerne do conceito de rede social, hoje muito diluído pelas stacks apostadas em espremer o máximo de dados aos seus utilizadores para lucrar com publicidade adaptada. Neste cartoon o XKCD está em modo spot on: porque uma rede social, fundamentalmente, não é um veículo publicitário mas um ponto de encontro virtual para pessoas que partilham interesses semelhantes ou cujas vidas se intersectem nalguns pontos. Esta é a resposta do sempre genial Randall Munroe à pervasividade da monetização dos dados dos utilizadores das redes sociais. E sim, o dedo está apontado a uma certa rede social de logotipo azul onde aposto que estão a ler isto...