sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Ficções

The Clockwork Soldier: Ken Liu utiliza uma aventura de texto, tipo de jogo de computador que não requer grafismo, para nos levar a perceber o dilema de um jovem capturado por uma caçadora de recompensas. Através da fantasia de um jogo onde uma princesa se descobre ser um autómato de mecanismo de relógio apreendemos um conto onde um jovem sabe que é um andróide mas é indistinguível do humano, até para ele próprio. Uma narrativa clássica, que a páginas tanta consegue tocar no essencial da literatura quando Liu coloca na boca de um dos personagens as palavras "Sometimes the best visuals and sims can’t touch plain text". Sem dúvida. Aquele diálogo interior entre as palavras do escritor e o poder de visualização do leitor é o que torna tão forte o poder da imaginação literária.

Grave of the Fireflies: Ficção científica e fantasia mesclam-se neste conto do chinês Cheng Jingbo, traduzido por Ken Liu. A história é de uma sensibilidade poética notável e oscila entre uma visão hard SF da entropia do final dos tempos, com as estrelas a extinguir-se na teorizada morte fria do universo, e uma história de amor fantasista onde um sábio mago demora milénios a apagar as estrelas para atrair até si a princesa que ama. Um sinal das coisas interessantes que saem da China, país onde a ficção científica se encontra em franca expansão e cujos autores estão a começar a chegar ao mercado global.

Ship's Brother: Revisitar este conto de Aliette de Bodar já publicado na Interzone é voltar a mergulhar numa obra que mistura os elementos da ficção científica com sensibilidade orientalista. Não deixa de ser uma história sobre o significado de família quando entidades cibernéticas se misturam com biologia, e a visão de uma vasta diáspora galáctica através de naves controladas por inteligências artificiais conscientes que misturam o digital com o humano continha intrigante.

Utriusque Cosmi: Talvez a melhor surpresa da Clarkesworld de janeiro. A ambição do conto é grande e bem conseguida, com uma história fortemente especulativa que toca na transcendência dos limites humanos, na vastidão do cosmos e nas virtualidades. O cenário é vasto, explorado através do olhar de uma adolescente que é salva da destruição da Terra por inteligências artificiais espalhadas pelo universo que se especializaram em preservar a vida através da sublimação em espaços virtuais, mantendo espécies extintas como simulações computacionais. Em espaços que coligem as memórias digitais de inúmeras civilizações é fácil o desvanecer-se por entre os bits, mas a adolescente opta por uma espécie de eternidade que é interrompida pela absorção da rede de inteligência artificial por rotinas computacionais de matéria negra, sempre consideradas o seu pior inimigo. Mas esta é outra forma de trasncendência que possibilita ultrapassar os limites da vida do universo. Há um momento particularmente poético em que o ciclo de vida dos universos é comparado a um movimento respiratório, onde um breve fôlego se estende quase para a eternidade. Isto é space opera numa escala vastíssima. Mas também pode ser uma história do sonho escapista de uma adolescente que vive no meio da pobreza e violência e tem de enfrentar o suicídio da mãe. Esta vertente do conto de Robert Wilson torna-o mais tragável em termos literários mas no que toca à FC é perfeitamente dispensável.