quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Perry Rhodan (11-15)


Kurt Mahr (1977). Perry Rhodan #11: Mutants in Action!. Nova Iorque: Ace Books.

Aventura em grande estilo é o que se pode esperar neste episódio. Encalhado em Vega, Rhodan utiliza o seu pequeno exército de mutantes e as forças dos seus novos aliados nativos para contra-atacar os répteis invasores. O plano é o de capturar a nave arcónida em poder dos Topides, regressar à Terra e voltar ao sistema Vega com forças renovadas. Combinando estrategicamente os poderes especiais dos mutantes terrestres, a tecnologia de teleporte e as forças resistentes de Ferrol com as armas arcónidas Rhodan consegue apoderar-se da portentosa nave e desferir um golpe mortal nos invasores.

E é isto, aventura pura em ritmo de acção rápida, sem pretensões a mais do que divertimento. No entanto os fantasmas hegemónico que se vislumbram na série revelam-se no sentimento expresso por Rhodan de colocar a humanidade como a espécie mais poderosa do universo e na curiosa caracterização das forças invasoras da espécie réptil. Talvez esteja a ler em demasia nas entrelinhas mas não pude deixar de pensar que há um paralelo entre os implacáveis mas dispersos e amantes da lei invasores Topides e alguma auto-imagem de resquício da Wehrmacht durante a II guerra. Nesta iteração inicial da série Perry Rhodan sente-se um forte sublimar do ideário nacional-socialista, com a figura do líder esclarecido e súbditos obedientes que compreendem as suas decisões, a afirmação da superioriade de espécie, aqui colocada como a da humana como a que irá suplantar a superior mas decadente arcónida e que se afirmará sobre qualquer outra espécie de vida inteligente no universo, e o uso da força para defesa dos ideais. Note-se que não estou a afirmar que há uma linha directa entre nazismo e o ideário da série, apenas que se sente um sublimar de fantasmas do passado - que no caso germânico são traumas potentes, através do escapismo fantasista.


Clark Darlton (1977). Perry Rhodan #12: The Secret of the Time Vault. Nova Iorque: Ace Books.

Essencialmente a continuação do episódio anterior, com Rhodan a regressar a Vega com uma pequena armada de caças terrestres, a nave arcónida e um grupo dos seus poderosos mutantes. O objectivo é expulsar os Topides do sistema sem recorrer a batalhas tradicionais nem revelar a localização da Terra. Rhodan opta por não usar as armas pesadas e solta os mutantes para provocar o caos no meio dos répteis alienígenas. De caminho descobre que uma das pistas para o segredo da imortalidade se encontra oculta num cofre protegido por barreiras interdimensionais, numa sala recôndita do enorme palácio dos regentes do sistema Vega. A aventura segue por linhas previsíveis, desprovidas de dramatismo. A estratégia de aterrorizar os invasores utilizando subterfúgios ao invés de os derrotar em batalha aberta é um elemento intrigante, que foge à tendência da space opera para grandiosas batalhas espaciais.


Karl-Herbert Scheer (1977) Perry Rhodan #13: Fortress of the Six Moons. Nova Iorque: Ace Books.

Sir, I have a cunning plan... dizia sempre o arguto Baldrick antes de afundar Lord Blackadder ainda mais nos buracos causados pelos tortuosos planos do aristocrata. Rhodan também tem um plano astuto e tortuoso para convencer os lagartóides Topides a abandonar o sistema Vega sem que estes desconfiem da real localização do nosso sistema solar. O plano é deveras sinuoso, envolvendo um agente duplo Ferron que se infiltra num grupo de resistentes anti-terrestres, que vêem com olhos apreensivos a pretensão de Rhodan em estabelecer um posto comercial permanente no sistema, falsas informações que colocam a Terra no sistema Canopus e a fuga orquestrada de um alto oficial Topide de um campo de concentração Ferron.

A aventura termina numa potente batalha espacial onde Rhodan experimenta o poderio de fogo do cruzador arcónida, tão assombroso que deixa abalados os oficiais Terrestres, já veteranos de combates espaciais mas espantados pela potência dos canhões desintegradores da nave esférica arcónida que transforma portentosos cruzadores inimigos em pequenos sóis com um só disparo. Hmm. Massiva nave esférica com um portentoso poder de fogo capaz de destruir planetas, cruzador espacial complexo capaz de viajar no hiperespaço e mais poderoso do que frotas inteiras? Onde é que eu já vi isto? Suspeito que alguém da equipe do George Lucas se inspirou na série germânica de FC para criar o conceito de Deathstar no Star Wars original. Não o posso provar, claro, até porque a série estava a ser publicada em inglês nos estados unidos graças aos esforços de Forrest J. Ackerman nos anos 70. Pode ser, pode não ser. Mas acho curiosa a descrição original dos anos 60 dos portentosos cruzadores arcónidas ser em tudo semelhante à visão da Estrela da Morte imperial do universo Guerra nas Estrelas.

Notei ao longo deste livro uma forte influência de concepções de superioridade étnica, sublimadas pelas espécies alienígenas. É certo que os aventureiros terrestres não são apenas os clássicos euro-americanos de pele branca. Há franco e germano-asiáticos, nipónicos e africanos. A Terra é una na mitografia do Perryverso, mas o tratamento dado às restantes espécies que vão surgindo tem traços de um racismo profundo. Desde o princípio que se assume que os humanos serão os futuros herdeiros da grandiosidade arcónida graças ao seu espírito superior. Podem ter descoberto há pouco tempo os voos espaciais e tropeçado com a vastamente superior tecnologia arcónida, mas a coragem e a garra que demonstram torna-os claramente destinados a dominar o universo como espécie superior. Já os arcónidas são retratados como uma espécie de elfos tolkienescos: belos humanóides, cuja elevadíssima tecnologia é superior a tudo o que foi inventado na galáxia, mas distantes e decadentes, a inferiorizar-se pelo seu desinteresse na manutenção de uma superioridade a que se acomodaram. Quanto aos Ferrons, são desconsiderados pela sua incapacidade cerebral. Humanóides detentores de algumas tecnologias avançadas, são retratados como uma espécie inferior que apesar dos seus avanços é biologicamente incapaz de atingir o elevado nível terrestre e arcónida. Quanto aos Topides, repteis evoluídos, provocam frémitos de asco e horror primevo entre os que com eles contactam. Suportados com enorme ressentimento devido aos óbvios sinais de inteligência e capacidade tecnológica, são considerados meros agressores a ser derrotados, caracterizados como malévolos apenas por serem diferentes dos humanóides e se atreverem a ter as suas ambições próprias. Os paralelos com alguns lados negros da visão que os homens tem sobre si próprios são bastante visíveis. Ou então sou eu que ando a extrapolar em demasia.

(Hmm. Primeira vez que tive coragem para escrever perryverso que, claramente, é uma contracção de "universo ficcional de Perry Rhodan". Soa-me tanto a "perverso"...)


Clark Darlton (1977). Perry Rhodan #14: The Galactic Riddle. Nova Iorque: Ace Books.

O foco das aventuras de Rhodan desloca-se para a busca do segredo da imortalidade, missão que já era a tarefa dos náufragos arcónidas que se despenharam na Lua ao investigarem o sistema solar terrestre em busca dos indícios de uma lendária civilização detentora do segredo da vida eterna. As aventuras pelo sistema Vega revelaram fortes pistas de um dos seus planetas ter abrigado os discretos imortais que para além de ultrapassar as fronteiras da biologia ainda presentaram os nativos do planeta Ferrol com tecnologia de teletransporte. No palácio do soberano do sistema encontra-se uma sala que contém um segredo fechado num cofre interdimensional. Rhodan e os seus fiéis mutantes penetram na sala, e iniciam um jogo perigoso que os levará, espera-se, à descoberta dos imortais desaparecidos e dos seus segredos. Mas para isso têm que se provar dignos e têm de resolver sucessivos enigmas complexos, cujas respostas os levam a questões mais difíceis.

Por interessante que seja este conceito de sucessivos enigmas que, como num jogo de percursos bem definidos mas opacos para os jogadores nele imersos, a prosa de Darlton transforma este episódio num tremendo lodaçal. Há desafios e mistérios, Rhodan na sua infinita sabedoria rumina, Khrest e o seu portentoso saber ajuda, o cérebro positrónico da nave arcónida decifra os mais ignaros criptogramas, e pronto. Ficamos nisto, numa sucessão cíclica que pretende avançar o panorama geral da série mas não sai do mesmo lugar.


Clark Darlton (1977). Perry Rhodan #15: Quest Through Space And Time. Nova Iorque: Ace Books.

É espantoso o contraste entre este episódio e o anterior. Se Galactic Riddle era um pântano literário este faz jus à fama aventureira da série com uma intrigante aventura através do tempo. Os enigmas deixados pelos antigos imortais obrigam Rhodan, Khrest e os fieis mutantes terrestres com um robot inteligente arcónida a viajar no tempo. É algo de episódico. Os heróis são transportados ao passado longíquo do planeta Ferron, onde se irão cruzar com o oficial arcónida que comandou  a expedição que há dez mil anos atrás se deparou com o segredo da imortalidade em Vega e depois colonizou a Atlântida no planeta Terra. Os escritores responsáveis pela série vão urdindo uma curiosa teia mitográfica que se vai desenvolvendo como história de fundo ao longo dos episódios. Neste,para além de desenvolver a mitografia terrestre e arcónica, aproxima Rhodan mais um pouco da revelação do segredo da imortalidade e ainda nos brinda com uma estupenda aventura num Ferron medievalista com lutas entre facções nativas a decidir-se à espadeirada e arcabuz. As pistolas de raios de Rhodan poderiam mudar o curso da história mas as leis peculiares das viagens do tempo não admitem interferências. Mas talvez a circularidade seja necessária para levar os arcónidas à antiguidade do planeta Terra, quando Khrest sugere ao seu antepassado que visite um certo sistema solar desconhecido que poderá ser importante para o desvendar do segredo da imortalidade.

A série não promete investir muito nesta vertente de viagens no tempo. O percurso é fixo e temporizado, com os heróis como observadores do passado sem capacidade de alteração do fluxo temporal, com excepção para a intuição de Khrest que sente que estava predestinado para vir ao passado influenciar o seu antepassado e assim determinar o percurso previsto da história. Compreende-se a relutância em olhar para esta vertente da FC. Perry Rhodan é uma série imperialista de space opera de largos panoramas. Introduzir variantes no fluxo histórico, meter-se com divergências nos ramos do universo conhecido e multiplicidade de realidades introduz um nível de complexidade que não se parece ajustar ao tom da série.

Mas sublinho que estou nas primeiras quinze leituras de uma série ainda hoje publicada cujos episódios já ultrapassaram os dois mil. Estes textos são dos anos 60, e reflectem espaços conceptuais e ideários germânicos válidos para o contexto europeu da época, com a dissolução dos imperalismos superioritários naquilo que se virá a tornar na europa moderna. O poder do líder, a sabedoria das elites e a vontade férrea que convence e submete os restantes ainda caracterizam o contexto ideológico da série. Rhodan é um fuhrer assumido, cuja visão é decisiva e as suas acções inquestionáveis levam ao necessário progresso. A série progride metodicamente na construção de uma mitografia própria, interligando as historietas dos episódios numa narrativa de fundo que promete ser vasta. Com cinquenta anos de visão retrospectiva sabemos que será vasta e ultrapassará os limites inicialmente desenhados. E que (spoilers, dears...) Rhodan se tornará imortal. Resta-me perceber se os fantasmas do nazismo tão aparentes nesta primeira iteração da personagem se desvanecerão ao longo do tempo ou serão outra das características alicerçantes desta longa série. Para isso ainda faltam tantas páginas...