sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Perry Rhodan (6-10)


Kurt Mahr (1969). Perry Rhodan #06: The Mutant Corps. Nova Iorque: ACE Books.

O miolo deste episódio envolve a busca de elementos para integrar um corpo de elite no novo e poderoso micro-estado fundado por Rhodan, validado após ter salvo a Terra da primeira de muitas ameaças alienígenas. Rhodan escolhe indivíduos com mutações que lhes dão poderes acrescidos, que vão da telepatia a invejáveis capacidades financeiras que tornam a Terceira Potência de Rhodan auto-suficiente nas suas necessidades de financiamento. O método de recrutamento tem o seu quê de norte-coreano, com os fieis seguidores de Rhodan a raptarem os potenciais candidatos que, depois de um encontro com o grande líder, depressa vêem o brilhantismo da sua visão e aceitam pertencer a esta nova humanidade que olha para as estrelas. Para finalizar temos o surgir de uma nova ameaça alienígena, atraída à Terra pela possibilidade de vingança sobre os Arcónidas. E esta ameaça é insidiosa, ao mesmo tempo dotada de tecnologia poderosa que uma artimanha de Rhodan anula, e da capacidade de influenciar mentalmente outros seres.

Pergunto-me se haverá por aqui algum resquício de carácter totalitarista germânico nestes textos primordiais do cânone Perry Rhodan. Os elementos estão cá. A figura do líder decidido com visão abrangente, a tenacidade numa visão restrita, o respeito institucionalizado, métodos abruptos e a subserviência dos seguidores que seguem sem questionar a liderança. Fundamentalmente Rhodan tem o seu quê de führer, substituindo a visão racista de violência fascizante de uma nova ordem por um olhar para as estrelas como novo espaço de expansão da humanidade. Ou estarei a ler coisa a mais numa simples série de aventuras no espaço? Note-se que estas obras iniciam a longa série e foram escritas nos anos 50/60, no rescaldo do nazismo, II Guerra, ano zero e separação da alemanha em dois estados. É-me difícil não ver uma relação entre o carácter e espaço de ideias do ficcional Rhodan com a realidade histórica.


Clark Darlton (1974). Perry Rhodan #07: Invasion from Space. Nova Iorque: Futura.

O que se ressalva desta aventura de Rhodan é o sublinhar do carácter autoritário da personagem. A sua sabedoria e capacidade de liderança estão acima de todos os interesses. A humanidade está a ser ameaçada por uma insidiosa espécie alienígena insectóide capaz de transporta a mente para humanos incautos e apenas a argúcia de Rhodan trava e derrota uma invasão que deixa os poderosos arcónicas aterrados. Argúcia e o seu exército de mutantes, humanos com poderes especiais conferidos pelas radiações resultantes de testes atómicos. No caminho ainda faz ultimatos às nações da Terra para se unirem na construção de uma frota estelar capaz de defender o planeta das ameaças do espaço e prepara-se para estabelecer uma base no planeta Vénus, retratado como um local de florestas tropicais selvagens (ao invés do inferno escaldante de atmosfera corrosiva que a ciência nos mostra). Ultimados que são prontamente obedecidos por uma comunidade global cativada pelo brilhantismo do líder.

Mutantes radioactivos são um dos elementos característicos da FC dos anos 50 e 60, aqui usados como um corpo militarizado de indivíduos capazes de ler mentes, teleportar-te ou manifestar poderes telequinéticos. São úteis para surpreender inimigos no campo de batalha. O que realmente perpassa deste episódio é o sublinhar do carácter de Rhodan como uma espécie de führer esclarecido, cuja sabedoria e coragem deixam todos cativos e fascinados. Os mais poderosos entre os terrestres não hesitam em agir de acordo com os seus ditames, justificando-se com um saber que Rhodan está correcto no que pensa. Os Arcónidas são cada vez mais retratados como uma civilização avançada mas decadente, à qual falta o lampejo de coragem e audácia que só Rhodan consegue trazer. Até a mais feroz arcónida, a bela e exótica Thora, uma espécie de Dejah Thoris ardente e muito senhora do seu nariz (mas mais... vestida do que a heroína de E.R. Burroughs) começa a render-se perante a superioridade de Perry Rhodan. Cada vez mais me pergunto se esta necessidade de afirmar um personagem como líder de sabedoria incontestada está a sublimar através da cultura popular algum elemento fundamental do carácter germânico.

Há um pormenor curioso neste livro que nos começa a revelar as aventuras estranhas que, penso, nos esperam ao longo da série. Um dos personagens tem como poder o projectar-se no futuro, embora perante as enormes probabilidades seja incapaz de o prever. Morre, mas o corpo parece ter ficado em animação suspensa enquanto a sua mente vagueia por universos paralelos e realidades oníricas naquilo que o autor refere como uma jornada de milénios de regresso ao seu corpo. Esta intrigou e despertou-me o interesse.


Kurt Mahr (1977). Perry Rhodan #08: Base on Venus. Nova Iorque: ACE Books.

Confesso-me indeciso sobre como caracterizar este episódio das aventuras de Rhodan. O lado ideológico de fardo de líder é colocado de lado, para ressurgir discretamente no final, e a tónica está na aventura pulp tradicional. Rhodan e os seus fiéis companheiros aterram no planeta Vénus para estabelecer uma base supra-terrestre e deparam-se com um segredo arcaico que une arcónidas e terrestres.

Vénus é caracterizado como uma espécie de áfrica estelar, cheio de florestas densas e povoado por estranhas e ameaçadoras criaturas afectadas por gigantismo, entre as quais se contam vermes gigantes de capacidade regenerativa quase infinita que vivem em simbiose com o que podem ser melhor descritos como arbustos arborícolas ambulantes, dinossauros tão grandes que entre cada passo passam-se minutos e criaturas anfíbias inteligentes semelhantes às focas terrestres. Sim, a ciência é largada às urtigas nesta visão selvática e africanizante de um planeta que na realidade é um forno vulcânico de atmosfera corrosiva. Mas se a nave de Rhodan se desfizesse, corroída pelos ares venusianos, a série depressa terminaria. Faz muito mais sentido recriar um planeta do sistema solar como um clássico mundo perdido literário, completo com um segredo milenar.

Esse segredo é um dos pontos mais intrigantes do episódio. Ao chegar a Vénus a nave terrestre/arcónida é atacada por forças desconhecidas. A habitual (previsível e imparável) argúcia de Rhodan permite a fuga e uma busca pelas selvas venusianas em busca da fortaleza inexpugnável de onde partiu o ataque. No seu interior espera-os a resposta a um mistério da história humana. A fortaleza é uma antiga base arcónida, estabelecida numa das primeiras ondas de colonização galáctica e esquecida pelo império. Mantida por andróides e um cérebro positrónico, revela-nos que os arcónidas tentaram colonizar a Terra num contintente hoje desaparecido, mas a colónia foi destruída por um cataclisma inexplicado que mergulhou o continente sob os mares. Os sobreviventes regressaram a Vénus e, nas naves restantes, partiram em direcção ao espaço profundo. Uma civilização avançada num continente submerso? É a Atlântida, exclama o leitor e Perry Rhodan, enquanto o arcónida Khrest se maravilha com um capítulo esquecido da história do seu mundo e a bela Thora se vê mais uma vez frustrada na sua vontade de regressar à civilização. Tanta frustração e a vida no meio dos selvagens com a presença do másculo Rhodan fazem antever qualquer coisa...

Neste episódio divertido o tom é de aventura pura, pouco plausível mas interessante. O rigor científico sai maltratado num livro onde o espírito pulp é reinante.


W. W. Shols (1977). Perry Rhodan #09: The Wasp Men Attack!. Nova Iorque: ACE Books.

Um episódio deveras desapontador. Arranca com uma belíssima batalha em órbita entre as naves dos insidiosos alienígenas denominados M.S. (mind snatchers), e é esse o melhor momento do livro. Na base arcónida em Vénus Rhodan descobre uma esquadrilha intacta de caças aeroespaciais e tem uma boa oportunidade de os usar para esmagar os discos voadores dos insectóides que trocam de mente com os humanos. O resto do episódio mostra a argúcia de Rhodan na luta contra os invasores que se ocultam nos corpos de humanos com cargos de importância. O interesse recomeça quando Shols mostra a cidade de Nova Iorque dominada pelos invasores, que usam os meios de comunicação para fazer aparentar que tudo continua normal. A coisa promete mas o escritor consegue arrumar toda a história em poucas páginas graças a uma artimanha de Rhodan, que captura os corpos insectóides e os aprisiona na lua, obrigando-os a capitular sob pena de aniquilação. Muita palha repetitiva, rareando acção com interesse.


Karl Scheer, Kurt Mahr (1977). Perry Rhodan #10: The Vega Sector. Nova Iorque: ACE Books.

Começo a perceber o porquê que há quem goste tanto de Perry Rhodan. Quando a série entra em modo space opera com batalhas espaciais, wow. É surpreendente e mexe com aquele sentido quase adolescente de aventura empolgante. Não compensa a imensa palha que tem que se ler nos momentos mais entediantes da série, aturar o fascismo alastrante inerente ao carácter da personagem principal, nem se torna referência de alta qualidade. Mas é bem divertida e cheia daquelas vastas vistas galácticas de grande aventura que deixam deliciados os fãs de FC. Mesmo aqueles que não o confessam em publico, afirmando o gosto pelo lado mais erudito do género.

A detecção de indicadores de saltos hiperespaciais na constelação Vega leva Rhodan e os arcónidas a partir para esse sector do espaço. Rhodan está curioso e suspeita que a armada detectada tenha como verdadeiro alvo a Terra mas tenha ido parar a Vega por engano, e os arcónidas estão animados pela esperança de se reencontrar com os seus semelhantes. Aparentemente só o portentoso império disporia de meios capazes de lançar tantos rastos no hiperespaço.

Em Vega tudo se altera. Rhodan mergulha em cheio numa batalha violenta entre os nativos do planeta Ferrol e os Topides, repteis alienígenas invasores. Os nativos, dispondo de tecnologias inferiores para batalhas no espaço estão a ser arrasados pelas naves tripuladas pelos répteis, mas a mistura de tecnologia terrestre e arcónida da nave de Rhodan, combinada com a capacidade estratégica do herói, inflige uma derrota momentânea aos invasores. É estabelecido contacto com os nativos do sistema, que vêem Rhodan como uma dádiva celeste, mas a chegada ao campo de batalha de um cruzador arcónida quase destrói os nossos heróis. Os arcónidas que acompanham Rhodan estão atónitos, espantados com a forma como uma das suas poderosas naves caiu em poder de uma espécie inimiga. Com o sistema invadido e as forças combinadas dos terrestres e nativos encostadas à parede, Rhodan aproveita uma promissora tecnologia de teletransporte para tentar apoderar-se da nave arcónida capturada pelos répteis. Mas... para saber o resto há que ler o episódio seguinte. A acção termina a meio, num ponto particularmente empolgante.

Dos livros da série que até agora já li este destaca-se por ser o mais divertido, em modo space opera assumida. Temos grandiosas batalhas espaciais, imensidões de naves em combate, espécies alienígenas sentientes em guerra e um encadeamento implacável de tropelias aventureiras.