segunda-feira, 28 de julho de 2014

Cidade Suspensa


Penim Loureiro (2014). A Cidade Suspensa. Lisboa: Polvo.

Devo dizer que estamos perante um dos melhores livros de BD editados este ano. Não pelo lado inovador, ou por ser pedrada no charco, mas pelo expor de pura mestria do traço deste autor. A narrativa percorre a história recente de Portugal pelo olhar de toque autobiográfico de um narrador cuja história pessoal o leva a intersectar-se em curvas sinuosas com amigos atomizados por um mortífero e misterioso acontecimento nas areias do Saara. Pelo caminho vão surgindo referenciais oníricos que remetem para a sempre elusiva ideia de um imaginário fantástico de raiz portuguesa.

A história recorda-nos as tropelias da história contemporânea através de um olhar europeísta, mas o que torna este livro deslumbrante é a qualidade da ilustração. Penim Loureiro tem um traço preciso e fluído que se traduz em vinhetas de grande beleza. A sua formação como arquitecto denota-se na profunda mestria como retrata a arquitectura urbana, talvez a personagem mais omnipresente deste livro. Se bem que o que realmente faz é amalgamar elementos arquitectónicos similares que acabam por corresponder à imagem mental que fazemos das ruas de Lisboa. É uma espécie de dérive a tinta da china e ecolines.

O livro deslumbra-nos com um referencial iconográfico de grande riqueza, onde podemos encontrar alusões à estrutura gráfica da BD de Loustal, vénias ao Incal de Moebius, e um singular uso de ícones portugueses como o sebastianismo, virgens marianas, galos de Barcelos (muito úteis para contrabandear pistolas, note-se) e esplendorosas passarolas. O que mais intriga é iconigrafia da arquitectura de uma Lisboa que tanto nos leva da elegância art-deco de Cassiano Branco aos palácios setecentistas e novecentistas, ao estilo modernista aportuguesado de António Ferro que se tornou marca de uma nova cidade, sem esquecer a contemporaneidade de edificações arrojadas. A segurar as imagens temos uma história que se vai entretecendo, levando-nos em ritmo pessoal de diário narrativo e gráfico através da intemporalidade da amizade.