terça-feira, 22 de julho de 2014

Trasgo #03


A terceira edição desta revista digital brasileira continua a manter um bom nível literário, trazendo ao mundo a voz de novos autores do lado de lá do Atlântico. O conteúdo intriga, com boas e divertidas histórias, algumas muito bem conseguidas ao nível literário. A capa deslumbra, algo a que esta publicação também já nos habituou. A Trasgo está disponível para leitura online e ebook.

O Empacotador de Memórias: um conceito intrigante funciona como base deste conto de contornos oníricos de Gael Rodrigues que inicia a terceira edição da Trasgo. Um homem tem a capacidade de materializar memórias daqueles com quem se cruza, tornando-se muito requisitado por aqueles que desejam reviver momentos fugazes, perdidos nas brumas mnémicas. Mas há um empecilho. O retirar a memória implica o seu esquecimento permanente. Tem conceitos interessantes, como o materializar de memórias em bolhas arrancadas que ao rebentarem levam consigo as recordações, ou a ideia de meter memórias numa caixinha para mais tarde redescobrir.

Rosas Brancas: o conto de Roberto Causo é claramente uma parte de algo mais ambicioso. O tema anda à volta de humanos artificiais com falsas memórias, quase super-humanos que não se apercebem do quanto são diferentes em relação à humanidade à qual se julgam pertencer. Esta é uma história de origem, com a filha bio-mecânica de uma andróide a ser raptada como parte de uma conspiração iniciada por um criador que decide optar pelo lucro fácil e vende os segredos da criação de seres artificiais a rivais. Pelo que ficou explícito no editorial esta é uma história que terá futuramente novos episódios. A vénia a P.K. Dick e a Mary Shelley é bem conseguida numa história cheia de acção.

Feita de um Sonho: muito próximo do realismo mágico, este conto de Carolina Veloso parte de uma ideia interessante. Uma rapariga sofre com sonhos muito reais após a morte da mãe, até que esta lhe confessa em sonho que o pai que nunca conheceu afinal a concebeu durante um sonho. A narrativa arrasta-se em lirismos desnecessários, mas surpreende especialmente depois de se perceber a jovem idade da autora.

Invasão: um conto delirante e hilariante de Claudio Parreira. Um jovem a tentar aproveitar um sábado pachorrento vê a casa invadida por uma avalanche de gente bizarra. O bom humor impera e o final é de ir às lágrimas. Aquele "só quero uma cerveja" é brilhante.

Viral: ao ler este conto de Tiago Cordeiro fiquei com aquela sensação de que já tinha lido algo muito parecido algures. E tinha. Num dos episódios de Global Frequency de Warren Ellis um bairro é infectado por uma mensagem viral que transforma os pacatos habitantes em agentes de uma inteligência alienígena. Este conto é muito similar, só que em vez de origem extra-terrestre o sinal nasce de uma experiência criptográfica, é transmitido por emissoras de rádio piratas e transforma os afectados em zombies capazes de articular discurso. Não parece tratar-se de plágio, antes do reconhecer de uma fortíssima influência de, como o autor refere nas entrevistas que encerram esta e-zine, um comic que já não se recorda o nome.

O Vento do Oeste: um conto de Liége Toledo que se aproxima de contornos épicos, cuja mais valia é a belíssima e convincente construção ficcional de inspiração da fantasia épica de sabor orientalista. Desprezado pelos habitantes de um país desértico, um filho de um demónio enfrenta o pai para salvar a vida a uma jovem rapariga, devolvendo-a à família e evitando que tenha o mesmo destino do da sua mãe.