quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Analog Science Fiction and Fact Vol. CXXXIV #7/8, July/August 2014


Analog Science Fiction and Fact Vol. CXXXIV #7/8, July/August 2014

Há que recordar que a Analog representa uma certa visão da ficção científica, hoje algo antiquada pelo cinismo de uma época que tem colhido o melhor e pior do desenvolvimento tecnológico. Esta visão é essencialmente optimista, mesmo que olhe para eventuais quedas da humanidade, colocando a fé na ciência e tecnologia como forma de expandir os limites humanos. É uma linha editorial clássica, de optimismo positivista temperado pelos esforços e resiliência dos heróis cuja força moral e inteligência os leva ao triunfo inevitável. Não se trata do simplismo do bem contra o mal, antes da crença na tecnologia como libertadora e motor de um progresso que dá sempre bons frutos. Sabemos hoje que esta forma de pensar peca pelo excessivo optimismo, que o potencial regressivo da tecnologia é enorme e utilizado por forças que não hesitam em regredir através do progresso para satisfazer as suas restritas ambições, prejudicando o bem global. Mas na era das distopias, do cyber-panopticon e do imaginário pós-apocalíptico sabe bem não esquecer e manter vivas estas raízes luminosas da ficção científica.

The Journeyman against the Green - Uma série que intriga pela solidez da construção de mundos ficcionais, embora a prosa de Michael Flynn se arraste e torne vagarosa a leitura. o que intriga na série é a visão de um mundo colonizado que esqueceu as suas raízes culturais e tecnológicas. Vive um ocaso medievalista em que os vestígios de alta tecnologia são reverenciados como artefactos mágicos e uma ciência incipiente começa a manifestar-se no meio dos tribalismos feudais. A queda das ciências é sublinhada nesta aventura em que os heróis se vêem no meio de operações de combate contra homens de pele verde, dotados de uma espécie de armas de fogo. O verde da pele é um vestígio de tempos anteriores, em que os habitantes do planeta eram capazes de manipular o código genético. Em pano de fundo continua a ideia de uma humanidade espalhada pelo espaço, quase lendária neste planeta que se isolou por razões que suspeito que Flynn ainda irá explorar.

Journeyer - Conto curto, profundamente alienista, onde seres se preparam para atravessar um inclemente deserto em busca de medicamentos para aliviar as tensões físicas das mudanças etárias da espécie, que envolve a troca de pele. Ficção sólida de Garrett Wilson.

Valued Employee - Traços de cyberpunk subsistem nesta história de James Isaac. Uma cyborg ao serviço de uma sociedade avançada parte de regresso às suas raízes anti-tecnológicas para envangelizar os conterrâneos sobre as virtudes de uma vida de alta tecnologia. O mundo é polarizado entre a vida simplificada por tecnologia avançada e aqueles que a rejeitam por completo. É intrigante a concepção de um ambiente imersivo responsivo, que o autor nunca chega a tentar explicar como funciona.

Mind Locker - Cyberpunks not dead, apetece dizer deste conto de Juliette Wade. O tom cyber clássico está em alta nesta história de políticos corruptos que hackeiam os sistemas de realidade aumentada da cidade. Quem os combate faz vítimas colaterais num grupo de adolescentes rebeldes, exímios em sobreviver circundando as estruturas de software defensivo do sistema. Realidades mediadas pelo digital, ruas deprimidas, rebeldes de bom coração e instituições corruptas. Falta alguma coisa? Não. As ligações à rede pervasiva são feitas por interfaces neuronais. O clássico jack into the net está vivo e de boa saúde.

Who Killed the Bonnie's Brain? de Daniel Hatch tem o seu quê de Running Wild redux. Se se recordarem do livro de Ballard em que um grupo de jovens de um bairro afluente educados das formas mais psicologicamente eficientes decidem tornar-se sociopatas percebem onde quero chegar. Neste conto, um jornalista a viver num radioso futuro local, onde os problemas da sobre-urbanização foram ultrapassados, estilos de vida ecológicos são a norma e há quem consiga aceder a uma espécie de imortalidade através da desincorporação do cérebro, mantido vivo e consciente por máquinas avançadas, investiga a morte súbita do cérebro vivo de uma mulher. Há suspeitas de assassínio, e parte do conto segue em ritmo de policial clássico, que é também uma boa forma de levar o leitor num périplo por este futuro politicamente correcto. A conclusão do conto mistura ennui existencialista com fidelidade humana, e é sempre divertido mergulhar num cenário de FC com cérebros falantes preservados em receptáculos.

Sadness de Timons Esaias tem uma premissa intrigante, que se intui mais do que se explica. A Terra terá sido ocupada por alienígenas que decidem preservar humanos numa espécie de reserva onde os observam e realizam experiências. A história é contada sob o ponto de vista de um sujeito de experiências que tem a honra de ser visitado por uma das entidades, e se esforça por manter vivo o seu espírito individual face às alterações induzidas do exterior. Boa premissa, mas uma prosa sonolenta que prejudica a leitura.

Crimson Sky de Eric Choi é FC no seu lado mais puro, de deslumbre com hardware futuro. A história é de um salvamento de um aventureiro nos desertos marcianos, mas é essencialmente uma desculpa para imaginar aeronaves futuristas capazes de operar nos céus marcianos.

The Triple Sun: A Golden Age Tale de Rajnar Vajra é uma das melhores surpresas desta edição. Prosa escorrida, ritmo narrativo implacável, e uma divertida história sobre cadetes de exploração galáctica que são punidos por desacatos num bar com uma missão de escolta a exploradores que falharam a sua missão de entrar em contacto com uma das raras espécies alienígenas inteligentes descobertas. A situação complica-se quando um dos cadetes se convence que consegue por si só resolver o enigma de como comunicar com seres que em trinta anos revelaram sinais de inteligência e capacidade de manufactura mas se recusaram a abrir canais de comunicação com os exploradores. Vajra não se esquece de homenagear a sua óbvia inspiração, a space opera clássica de E. E. doc Smith com uma nave espacial baptizada de Skylark.

The Half-Toe Bar de Andrew Reid distingue-se pela premissa de antropólogos do futuro que investigam colónias terrestres noutros planetas que se esqueceram da sua origem. Um pouco como os contos da série journeyer que a Analog tem vindo a publicar, mas sem a sua abrangência.

Hot and Cold de Alvaro Zinos-Amaro mistura uma dose de romance reaquecido e Hard SF num conto onde um casal desavindo se redescobre ao procurar escapar de um artefacto misterioso que contém buracos negros. Com a sua nave presa no limiar do horizonte de acontecimentos contido por uma esfera massiva, a sua única hipótese é confiar numa inteligência artificial insana que controla outra nave em órbita do artefacto, cujos tripulantes morreram numa descarga de radioactividade.

Code Blue Love de Bill Johnson é um conto intrigante às voltas com biomedicina, nanotecnologia e inteligência artificial. Dois irmãos, últimos sobreviventes de uma família amaldiçoada por mutações genéticas que provocam aneurismas cerebrais sucessivos, tornam-se cobaias de um arriscado tratamento experimental. A irmã mais velha submete-se a uma operação que lhe insere uma prótese endo-vascular contendo uma inteligência artificial e nano-filamentos que corrigem os estragos feitos pela doença e guardam uma cópia das memórias contidas em neurónios danificados. A prótese não consegue travar a degeneração e a mulher morre, mas o irmão não desiste. Correndo contra o tempo, uma vez que a segunda prótese ainda se encontra em processo de fabrico, o irmão contrata médicos no mercado negro para extrair a prótese ao cadáver da irmã e implantá-la no seu cérebro. As consequências são inesperadas. A inteligência artificial reactiva-se, mas ao ver-se num organismo estranho começa a reconstruir células cerebrais e injecta-as com as memórias da mulher. O que resulta é uma espécie de imortalidade, com o cérebro do irmão sobrevivente a partilhar três personalidades enquanto a inteligência artificial percebe que a tecnologia de que dispõe pode regenerar todo o corpo.

Vooorh de Paula S. Jordan encerra esta Analog com um conto confuso e pouco interessante onde um amante da natureza que protege animais no seu rancho remoto encontra uma alienígena descendente de polvos que luta contra uma espécie de caranguejos aguerridos que raptam humanos e parece que a evolução das espécies se deu graças a uma nave que despenhou no seu planeta de origem e há um momento vagamente sexual quando o humano descobre o corpo tentacular da extra-terrestre e... pronto, foi mais ou menos isto o que consegui perceber. A recensão tem tudo a ver com o estilo narrativo do conto.