terça-feira, 28 de outubro de 2014

Amadora BD 2014


O tradicional festival de banda desenhada da Amadora comemora este ano 25 edições. E fá-lo de forma muito discreta. Comparado com anos anteriores, o festival está mais comedido e espaçoso. Tem na sua área central uma zona comemorativa dos 25 anos, com uma selecção de livros e pranchas que marcaram as várias edições do festival.


A exposição dedicada ao Batman é um dos grandes chamativos desta edição, mas para algo que pretende comemorar a longevidade do personagem fica um pouco aquém do esperado. Há algumas pranchas em exposição, capas clássicas revistas por autores contemporâneos e um toque nostálgico com algum merchandising da personagem.


Joana Afonso é a autora em destaque este ano. Destaque merecido, embora talvez prematuro dada a idade da autora. Mas, repito, merecido. Em três espaços podemos admirar o seu traço em pranchas originais para BDs, rascunhos em moleskines e o trabalho no premiado O Baile. Já a exposição Galáxia XXI teve uma curadoria notável, mostrando junto de um público já de si conhecedor as novas tendências da BD nas suas várias vertentes, que mostram a vitalidade do género.


O espaço mais criativo do festival pertence a Jim Curioso, livro de BD que recorre ao 3D gráfico tradicional. É, num sentido muito literal, um mergulho dentro do mundo ficcional do livro, dentro de um espaço iluminado com luz negra que nos faz sentir dentro dos abismos submarinos, rodaeados das suas maravilhosas criaturas. No exterior a quilha de um barco mostra-nos pranchas do álbum e justaposições de transparências para simular a estereoscopia.


O estilo expositivo do Amadora BD continua confortável na sua criatividade, como se nota no espaço dedicado a Mafalda. Confesso que apesar de admirar a verve de reflexão politico-social do autor, ainda hoje perfeitamente actual, nunca senti grande empatia por esta personagem. Mas kudos a quem se lembrou de recriar esta vinheta.


A comemorar a edição portuguesa da Parábola, colaboração entre os lendários Stan Lee e Moebius, temos um belíssimo Silver Surfer.

Não deixo por aqui fotos de pranchas ou detalhes gráficos. Este ano fui surpreendido por um simpático colaborador do Festival (não estou a ser irónico) que me perguntou se tinha badge para fotografar e, não o tendo, não poderia fotografar as exposições por questões de direitos de autor. Poderia ter perguntado precisamente que alínea da legislação sobre propriedade intelectual e direitos conexos estava a violar, ou até que ponto ameaçariam os direitos dos autores fotos de qualidade média de um telemóvel tiradas por um blogger que divulga a literatura e banda desenhada sem qualquer compensação financeira, mas o colaborador não só foi simpático na abordagem como me informou que poderia registar-me junto da recepção do festival para poder fotografar. Pronto, respeitemos a vontade da organização e deixemos aqui apenas fotos dos espaços que mais interessantes pareceram. Mas, meus caros, neste dia e era ameaças à propriedade intelectual não vêm propriamente de fotos amadoras semi-desfocadas tiradas em festivais para partilha rápida nas redes sociais...

Aproveitei para adquirir o mais recente livro de David Soares, ilustrado por André Coelho num estilo mais comedido do que o que mostrou em Terminal Tower. Na sessão de autógrafos atrevi-me a dois dedos de conversa com o escrito (timidez profunda é um dos meus mais irritantes traços de personalidade) e fiquei a saber que para além de mais um projecto de BD David Soares tem na calha um livro de não-ficção e um romance. Algo que quem o segue nas redes sociais já se tinha apercebido. Aquelas fotos de gatos e livros são indícios fortíssimos de que algo se passa na frente de pesquisa de um autor tão cuidadoso na erudição.

Mal se dá pelo Amadora BD este ano. Arrisquei ir lá no sábado, pensando que iria encontrar as habituais enchentes, mas ao estacionar com facilidade percebi que se calhar ainda não está no radar dos possíveis visitantes. Tem-se comentado que talvez tenha havido falha na divulgação atempada do evento. As exposições em si, apesar de muito boas, não surpreendem por aí além. Algumas apostas óbvias ficam aquém do esperado, a comemoração das 25 edições do festival é muito difusa. Até os espaços dos livreiros estão comedidos. Suspeito que nestes tempos de austeridade imposta e no domínio cultural, só o facto da continuidade do festival e presença de livreiros já seja de saudar. Este 25.º Amadora BD é mais um sintoma de um país reduzido ao mínimo mas que ainda insiste com um programa minimalista mas ambicioso. Para além dos espaços tradicionais do festival em vários locais da Amadora ainda há exposições na FNAC Chiado, Mouraria (dedicada a José Carlos Fernandes, tenho de ir cuscar), Institut Français (aí não há riscos financeiros porque a Nouvelle Librairie aposta pouco na literatura francesa de FC) e Instituto Goethe.