quinta-feira, 30 de outubro de 2014

BD: Living Will #03, Pessoas que usam bonés-com-hélice.


André Duarte, Joana Afonso (2014). Living Will #03. Lisboa: Ave Rara.

Continua a amarga saga de Will, um velhote que encontra na busca da redenção uma razão para viver os seus anos cinzentos. A história vai-se tornando mais amarga, porque se esta vontade de olhar para o passado deixa Will melhor consigo mesmo, o confronto com aqueles que magoou reaviva más memórias e deixa-os novamente presos a sentimentos tristes. Num certo sentido, a busca moral de um homem pelo perdão pode ser um acto tão ou mais egoísta como os actos que o levaram à culpa.

Bem escrita e deliciosamente ilustrada, Living Will continua a manter-se como uma das melhores séries de BD portuguesa contemporânea.


José Carlos Fernandes (2003). Pessoas que usam bonés-com-hélice. Lisboa: ASA.

José Carlos Fernandes é daqueles que mesmo em registos mais leves é melhor do que muitos argumentistas/desenhadores. Tendo sempre presente na mente a obra magistral que é a série Pior Banda do Mundo, recentemente reeditada pela Devir (mas não caso único, e basta ler obras como Um Catálogo de Sonhos ou Terra Incógnita) é-me difícil categorizar este Pessoas que usam bonés-com-hélice uma obra maior deste veterano de excelência da BD portuguesa. Em parte, parece uma derivação de A Pior Banda do Mundo, com o mesmo estilo gráfico e pendor para o transrealismo poético. É interessante a forma com que ironiza a banalidade das caricaturas. Convém explicar que sou daqueles poucos que são imunes à arte da caricatura (por breves segundos considerei colocar a palavra arte entre aspas, mas isso seria injusto). Em termos iconográficos parece-me sempre que todos os caricaturistas usam o mesmo estilo, com as mesmas características. E sinto que lhes falta intemporalidade, com o seu foco no ironizar imediatista da contemporaneidade. Neste livro JCF faz uma bela caricatura da banalidade iconográfica do género, dando-nos as figuras de proporções deformadas que lhe são tão comuns, mas perverte as expectativas com toques contínuos de surrealismo poético, sempre naquela linha borgesiana erudita que tem caracterizado a sua obra. Mas não é um livro excepcional. É apenas bom.