sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Leituras


When Science Fiction Stopped Caring About the Future: O que me chateia neste artigo é o título. Não, a FC não deixou de se preocupar com o futuro. Aliás, cada vez mais se sente uma preocupação em combater o doom and gloom distópico hoje tão do agrado de leitores. E é aí que resite o problema neste artigo que coloca o dedo na ferida da visão popular da FC. Ao optar por um rótulo generalista, corre o risto de meter tudo no mesmo saco, embora o seu foco na FC cinematográfica de grande espectáculo seja certeiro. No cinema não se correm riscos, especialmente nas produções de grande orçamento, e isso implica a aposta na repetitividade e no lado nostálgico. Mas duvido que isso se passe apenas no cinema de FC. Por muito que custe, esta análise é certíssima: "Tomorrow isn't a potential where things might be better, or even different; it's just a place to rearrange the robots on a Titanic that never sinks. Progress has conquered the present so thoroughly it doesn't even need to push forward anymore. In pop sci-fi, we're all always already picking up the shiny new old lightsaber; there is no other future, and no other dream". Mas não confundamos a floresta com as árvores. Ou, como pensei quando deparei com este artigo, vá ler um livro que essa sensação de irrelevância da FC depressa lhe passa.

The Hideous Unknown of H.P. Lovecraft: Quando se lê esta descrição dos fãs e escritores de ficção de horror fica-se com alguma vontade de ir até casa do crítico literário e pedir-lhe explicações. Com um cacete:  "The authors of these horrific fictions sit in the back of the classroom avoiding eye contact, rarely speaking to anybody. Shabbily dressed, fidgety, tattooed, hysterically sullen, they are bored by realism and reality when not actively hostile to both. When asked about their reading, they will gamely mumble the usual list of names: Neal Stephenson, Stephen King, J.G. Ballard, and Philip K. Dick. But the name that I have heard most often mentioned in these litanies is that of H.P. Lovecraft, whom they revere. He is their spirit-guide". Percebe-se que o real horror do crítico for ser obrigado a ir mergulhar em Lovecraft para este artigo na New York Review of Books. Sim, sabemos que Lovecraft caminhou na linha ténue entre a sanidade e a depressão, que era antiquado, misógino, racista e capaz de verdadeiros descarrilamentos de adjectivos. Mesmo assim gostamos dele. Algo de inexplicável para os elegíacos da literatura com letras maiúsculas. O único ponto em que o crítico consegue ver algum mérito na obra está no borgesianismo arquitectónico das suas arquitecturas imaginárias de atrocidade construtiva. De resto limita-se ao arrasar, percebendo-se um desgosto pela literatura de género em geral, convenientemente arrumada na prateleira de coisas para adolescentes ou coisas para adultos irresponsáveis que se recusam a crescer. Francamente já não há paciência para estes simplismos dos académicos incapazes de admitir que há todo um universo para além da sua visão restrita e tacanha. Que pode não ser perfeito, mas é interessante, e até mais do que o umbiguismo existencialista da banalidade que caracteriza boa parte da literatura convencional. Antes de acenarem a bandeirinha fanboy a dizer wow, Lovecraft na NYRB, notem que quem teve a tarefa de analisar a obra claramente odeia o escritor. Posso estar enganado, mas quando P.K. Dick foi editado pela mais prestigiada colecção de literatura clássica americana foram mais simpáticos. Entretanto S.T. Joshi já respondeu à letra a este artigo, apontando que o seu autor tem credenciais nulas na investigação académica lovrecraftiana, e mete o dedo na ferida: o preconceito exposto é o do crítico, que abomina o género sobre o qual teve de escrever. Mas note-se, uma coisa é ser imune aos géneros, outra é demolir por tacanhez mental. Também David Soares faz um ataque certeiro a este faux pas (estou a ser muito simpático) da NYRB, recordando-nos que é um erro avaliar figuras do passado apenas segundo os nossos conteporâneos padrões, e que se o fizermos... digamos que muitos dos heróis celebrados pela história ganham toda uma nova dimensão tenebrosa. Eu cá por mim ainda estou engasgado com a estupidez de afirmar que há uma literatura para adultos e tudo o resto é para desprezar com o rótulo de coisas imaturas para gente imatura que se recusa a crescer como deve de ser. E o "como deve de ser", do meu ponto de vista, roça demasiado o moralismo bacoco fascizante e cinzentista.

Diary: É preciso tê-los no sítio para fazer o que este jornalista fez: fingiu-se de neo-fascista britânico e infiltrou-se entre os perigosos e tenebrosos aurora dourada na Grécia. Há algo que ressoa neste artigo, para lá da óbvia coragem do jornalista e da mistura entre revanchismo, máfia e nacionalismo deste movimento neo-nazi: a mistura entre violência escapista geralmente excercida sobre estrangeiros, válvula de fuga de uma sociedade esmagada pelas medidas de salvação impostas pelos ideólogos neoliberais, e a alternativa caritativa, fornecendo comida e cuidados médidos básicos a uma população abandonada pelo seu governo: "In a country with ineffective – or vanishing – public services, these measures are important enough to make many Dawn voters look past the party’s veneration of Hitler." Temo que seja esta a nova europa, forjada nos fogos ideológicos da City londrina e bancos de Frankfurt pelos analistas da escola Goldman Sachs com ajuda da geração de políticos europeístas do calibre de Merkel ou Juncker, mais atentos aos caprichos das elites financeiras do que às vontades dos seus cidadãos.