sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Scale-Bright


Benjanun Sriduangkaew (2014). Scale-Bright. Immersion Press.

Numa Hong Kong fluída os antigos mitos coexistem com a modernidade atrás de um fino véu de percepção. As gestas míticas, milenares, reflectem-se e continuam nos dias de hoje. Velhos deuses, antigos demónios, todas as criaturas de fábula cruzam-se e sobrevivem por entre os humanos. Basta um pequeno passo para se ver a cidade de fábula sobreposta ao real, onde as arquitecturas de betão se transformam em palácios feeéricos e nas ruas zigezagueiam coches e palanquins por entre o trânsito cerrado de automóveis. Mas esse passo só pode ser dado a convite de alguma das criaturas míticas, e há preços a ser pagos. É o que acontece a Julienne, jovem heroína deste livro. Orfã, é apadrinhada por duas tias que são muito mais do que aparentam ser. São a forma humana de dois mitos chineses, unidas num casamento de amor imortal, e a jovem tem no seu sangue ascendência destas ancestrais imortais. Esse toque do divino abre-lhe as portas do mundo que está para lá do olhar, aos demónios benévolos, monges caçadores e uma serpente que se tornará a sua grande paixão.

Fantasia urbana decididamente orientalista, Scale Bright pega de forma delicada nas criaturas míticas chinesas. Colide o real com o mítico, na estrutura clássica do périplo de uma personagem que através das suas aventuras nos mostra um mundo de fantástico. Delicado e orientalista, este livro é uma verdadeira chinoiserie em prosa bem medida, com uma forte vertente sexualizante expressa no assumido e militante lesbianismo das personagens principais.

O problema está em dissociar a obra da autora. Benjanun Sriduangkaew, escritora tailandesa, foi recentemente desmascarada como a mais vitrióloca troll das comunidades online de FC e fantástico. Não troll daquelas chatas e incómodas, mas das violentas, ameaçadoras e perseguidoras. Ao que consta, até autores portugueses se viram na mira das suas acérbicas palavras. Péssima ideia, que certamente colocará um ponto final na carreira literária. Suspeito que as portas da crítica lhe estejam irremediavelmente vedadas, que publicar novamente em nome próprio não dê origem a vendas, e não é difícil imaginar o que seria a sua presença em painéis de festivais literários. É pena. A FC e o fantástico precisam de vozes globais capazes de trazer outras sensibilidades e tradições culturais que contrariem o monolitismo anglo-americano. Esta voz, aparentemente calma e delicada a ocultar uma inquietante virulência online, calar-se-á, ou será silenciada com coros de protestos num futuro próximo.