terça-feira, 31 de março de 2015

Foi Assim A Guerra Das Trincheiras


Jacques Tardi (2015). Foi Assim A Guerra Das Trincheiras. Oeiras: Levoir.

É bom regressar a este livro tão fundamental para se compreender a história do século XX. Noutros tempos observar-se-ia que isto é algo estranho para se dizer de um livro de banda desenhada, mas esperemos que as consciências tenham amadurecido o suficiente para compreender a BD como forma artística de direito próprio e não mero contar de historietas aos quadradinhos. É um preconceito que se observa cada vez menos, felizmente.

O lado de documento para compreensão da história do século XX prende-se com o rigor com que Tardi recria o horror inútil da guerra nas trincheiras. As histórias ficcionais baseiam-se nos relatos dos antigos soldados, e nem consigo imaginar as horas passadas às voltas com documentação fotográfica para que o seu retrato das trincheiras seja tão real. Apesar deste fortíssimo lado documental, este não é um livro de retratos historiográficos. Tardi assume desde logo uma posição contra a guerra, contra o desperdício e inutilidade de uma acção militar que arruinou o velho mundo, mas essencialmente contra a falta de humanidade dos responsáveis políticos e militares que, confortáveis nas suas assunções e ideias fixas, não hesitaram em ordenar a morte de milhões em operações militares que caso fossem bem sucedidas medir-se-iam na conquista de mais alguns metros quadrados de terreno. É essa forte consciência anti-militarista e pacifista que, aliada ao retrato preciso das condições de sobrevivência e morte no front, dá carácter a este livro tão especial.

Parte de uma série de obras que Tardi dedica a este tema e o tornaram um dos mais notáveis olhares contemporâneos sobre a I guerra. Tão notável que chegou a ser medalhado pelo governo francês, distinção que o autor recusou veementemente. Estas histórias são a sua homenagem ao avô, poilu sobrevivente para uma vida de trauma, o que ajuda a explicar a sua dureza crítica.

Sempre me intrigou a escolha narrativa que fez. Estruturalmente estas histórias são de um enorme rigor. Tardi divide a prancha em três tiras e é aí, de uma forma panorâmica mas claustrofóbica, que faz desenrolar as suas histórias. Talvez para sublinhar a pequenez dos personagens face à vasta desumanidade do teatro da guerra. O traço expressivo do autor afasta-se do realismo didáctico e confere ainda mais carácter a esta obra essencial que a Levoir nos trás para, finalmente, tradução portuguesa. Daquelas que gostaria de dizer, se acreditasse nestas coisas, que deveria ser de leitura obrigatória, mas como acho que a obrigatoriedade destrói o gosto por ler, não digo.