quinta-feira, 12 de março de 2015

The Whispering Swarm


Michael Moorcock (2015). The Whispering Swarm. Nova Iorque: TOR.

Numa entrevista recente Moorcock referiu que este livro será, provavelmente, a última vez que conseguirá tentar fazer algo de novo em literatura. É notável que um veterano de longa idade resista ao conforto dos seus louros e insista em inovar na sua prosa. O resultado é um pouco desconcertante. The Whispering Swarm lê-se demasiado como o Hemingway de A Moveable Feast, embora contada por um exímio fabulista que entretece o fantástico com o real. Boa parte do livro incide num Moorcock auto-biográfico que nos fala e reflecte sobre a sua vida, a sua dedicação à literatura e as aventuras na Londres dos swinging sixties. No meio das muitas histórias da sua vida vai colocando pitadas de sobrenatural, que incrementa gradualmente até ao momento em que o fantástico que tanto desejamos toma conta do livro e coloca de lado a biografia do fabulista.

O romance não tem sido bem recebido pelo público, talvez por ser tão desconcertante e contrariar expectativas. Esperamos algo dentro do fantástico tradicional e sai-nos uma autobiografia fabulista em que a vida real vai perdendo terreno para um imaginário táctil ao longo das páginas. Algo que certamente desagradará aos fãs mais hardcore que estariam à espera de mais umas espadeiradas moralmente ambíguas à Elric ou deslumbres proto-steampunk com Cornelius.

No seu cerne está um mistério sondável, e um conceito fascinante para aqueles que como eu adoram os jogos geométricos do espaço urbano. Moorcock faz situar no centro histórico de Londres um local onde as regras do tempo se alteraram. Atravessar os portões e entrar no quarteirão junto ao rio que designa como Alsacia é entrar num mundo onde passados, presentes e futuros se misturam. Uma espécie de zona franca dos tempos possíveis, onde personagens históricos e ficcionais se mantém vivos para lá do seu tempo. Um local que parece fixo num eterno século XV, completo com casas soturnas à beira-rio, verdadeiras estalagens de taberneiros e um templo nominalmente cristão no seu epicentro. Um espaço isolado do fluir do tempo, mas que não lhe é imune. A arquitectura fixou-se num pós-medievalismo, os habitantes vivem num perpétuo século XV, os personagens das ficções pulp das várias eras partilham canecas de boa cerveja na estalagem, mas os artefactos das eras mais recentes encontram-se nas lojas e o jornal da abadia no centro do quarteirão é impresso nas gráficas da vizinha Fleet Street. Afinal, um jornal é um jornal, porque não ser impresso onde o eram os maiores jornais londrinos?

Em parte, este romance é um hino à cidade, a uma Londres vivida, nostálgica e idealizada, talvez longe do recreio europeu dos super-ricos em que parece estar a tornar-se. Hino à Londres do passado real de Moorcock, entre os swinging sixties, os clubes de música, as redacções dos jornais e revistas por onde passou. E hino à Londres histórica e fabulista, a capturar a imaginação de leitores e escritores.

O lado nostálgico também é perceptível neste livro. A vénia ao pulp clássico, aos heróis dos penny dreadfuls vitorianos ou dos romances juvenis do princípio do século, é muito profunda. Moorcock recupera personagens esquecidos e envolve-se romanticamente com uma aventureira do século XVI, porque, enfim, neste romance a barreira entre a realidade e ficção não existe. Alsacia é um espaço onde a ficção é real. Um dos homenageados é um certo Príncipe Rupert, que Moorcock nunca completa com o óbvio de Hentzau, que viaja pelo mundo em busca de elementos para um artefacto de mecânica cósmica e envolve Moorcock numa atribulada aventura para tentar salvar o pescoço do rei inglês deposto do machado dos algozes do parlamento de Cromwell, aventura cheia de peripécias dignas de Os Três Mosqueteiros. Que, já que os menciono, são personagens que também participam no livro. Refira-se que a homanegem às narrativas aventureiras do passado também é expressa pela própria estrutura do livro, feita de pequenos capítulos que se seguem a bom ritmo e deixam sempre algo em suspenso para ser continuado no seguinte.

Moorcock não faz grande segredo do artefacto guardado pela estranha ordem de monges que, nas suas próprias palavras, não se chateiam que sejam confundidos com cristãos porque isso lhes facilita a vida. Curiosa ordem sincrética, que conta entre os seus membros dispersos muçulmanos, judeus, budistas e hindus. Veneram a essência do divino sem se preocupar com a forma exterior e guardam um velhote quase eterno, um rabi de sabedoria intemporal.

The Whispering Swarm é um livro desconcertante. Não é o que se esperava do autor, com uma mistura entre ficção e auto-biografia que apesar da excelente prosa se torna por vezes cansativa. A veia geográfica, a homenagem à ficção popular de outros tempos e a um espírito mais inocente intrigam os leitores mais conhecedores das referências de que o autor se apropria. É daqueles livros que nos agarra sem que saibamos precisamente porquê.