sexta-feira, 17 de julho de 2015

Penny Dreadful


Penny Dreadful: Terminou a segunda época desta espantosa série, que se caracterizou por ter sempre mantido muito elevado o nível do que se propunha fazer. Não se diluiu no melodrama ou reduziu o horror a cinco minutos por episódio. Soube manter as suas intricadas linhas narrativas sem decair na telenovela de episódios sucessivos em que o que realmente confere o interesse à série fica esquecido pelas agruras de intermináveis continuidades narrativas.

É certo que não é uma série original. É o tipo de produto mediático possível e desejado nesta era de cultura corta-e-cola hiperreferenciada, que olha para os repositórios de ficção do passado não como memória histórica e cultural mas como substrato reciclável em novas histórias. Algo que normalmente se fica pelo reavivar da iconografia e pouco mais, mas que nesta série tomou forma de uma boa história que fez rasgadas e respeitosas vénias ao seu material de base. Penny Dreadful não inovou velhos personagens ou refez histórias de sempre. Os seus criadores souberam olhar muito bem para o que os inspirou e canalizar num híbrido de decalque directo e nova história.

Por detrás da série está a marcante tradição da literatura gótica, dos contos de arrepio e espanto da literatura de cordel, dos primeiros filmes de terror. Daí vieram as personagens e ambiente da série. As citações literárias e audiovisuais foram mais que muitas, traindo um conhecimento enciclopédico do corpus fílmico e literário clássico. Alguns personagens - Dorian Gray, Viktor Frankenstein e a sua criatura, vieram directamente desta tradição. Outros são amálgamas bem construídas de arquétipos literários estabelecidos na viragem do século XIX para o XX - a bruxa mística atormentada e misteriosa, o intrépido explorador do continente negro, o fiel servente africano entre a civilidade europeia e as trevas da selva profunda, o licantropo atormentado.

Peguem em Frakenstein de Shelley, Mary, claro, não do outro Shelley. Retrato de Dorian Gray de Wilde. Dracula de Stoker cruzado com Nosferatu (esse também uma cópia de Drácula) e Varney the Vampyre. Quer as aventuras que Conan Doyle escreveu para Sherlock Holmes quer para o intrépido Professor Challenger de Lost World. Os arquetípicos exploradores da darkest africa, quer os reais Stanley e Livingstone quer o clássico Alan Quatermain. Talvez o eterno servo Sexta Feira de Robinson Crusoe. As lendas do velho oeste. A Londres vitoriana de Dickens. As visões licantrópicas de The Wolfman e An American Werewolf in London. Toques de M.R. James e W. H. Hogdson. Pitadas de theatre Grand Guignol, museus de ceraBlack Sunday e do lirismo gótico decadente de Bride of Frankenstein. Decerto que me escaparam mais algumas centenas de referências.

Entre a primeira e segunda série houve poucas variantes do horror clássico que não tenham escapado a Penny Dreadful. Cada episódio brindou os espectadores com um manancia de referências literárias e estéticas que, em muitos casos, decalcou directamente a iconografia de filmes clássicos. Lobisomens a uivar à lua, como sempre o fizerem em cartes de cinema. Bonecas assombradas. Casas de assombro. Feéricos museus. Bailes que terminam com alucinações de banhos de sangue. Sombras que animam as figuras hieráticas nas caves dos museus de cera. Invocar todas as referências visuais com que a série nos brindou seria um jogo interminável.

A série não nos trouxe nada de fundamentalmente novo. Num media repetitivo e simplista que habitualmente se reduz ao menor denominador comum teve, e esperemos que continue a ter, a virtude da erudição respeitosa, do recordar o clássico sem revivalismos nem renovações que o estupidificam. Mantendo sempre um ritmo fílmico marcado, e uma deslumbrante estética tenebrosa. Em suma, uma série talvez divertida para o comum dos mortais, mas um delicioso docinho para o conhecedor do terror enquanto género literário e cinematográfico.