quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ultima


Stephen Baxter (2014). Ultima. Londres: Gollancz.

O meio do caminho é um sítio tramado. Olhamos para trás e contemplamos o quanto já caminhámos, em frente resta o que nos falta para andar. Diz-se que nas séries literárias se passa o mesmo, que o segundo livro da trilogia, o meio da história, é aquele que menos prende o leitor e o que mais parece enchimento que se nos leva um pouco mais perto da conclusão não o faz de forma a que a nossa curiosidade fique suficientemente satisfeita.

Ultima sofre, e muito, deste mal. Parte do livro é um exercício curioso de história alternativa, e o restante uma longa odisseia num fim dos tempos. Ambas se sentem como excessivas, como enchimento, podendo ser mais sucintas sem que com isso houvesse prejuízo para o arco narrativo.

Mesmo escrevendo com uma óbvia visão de páginas a metro, Baxter não deixa de brincar com um conjunto de ideias intrigante. Andar às voltas com um mundo ficcional de multiversos permite aventuras de especulação histórica, e o autor não nos desilude, embora talvez peque pelo excesso de detalhe. Numa das duas variantes que nos dá é o Império Romano que, vivendo numas tréguas violentas com a China e uma união dos povos nórdicos, se vai espalhar pela galáxia. Na outra, esse fardo recai sobre um império Inca que homogeneizou o planeta e instalou o seu centro imperial num gigantesco O'Neill no ponto L5. Boas desculpas para alongadas especulações sobre como se adaptariam as estruturas políticas e culturais de dois povos esquecidos caso a história como a conhecemos tivesse decorrido de outras formas.

Parte da premissa deste universo ficcional está na divergência e colisão de linhas temporais. Baxter segue um caminho mais de história alternativa, aproveitando para brincar com história e sociologia, mas confesso que prefiro a tessitura de Benford em Timescape, livro onde o colapso dos tempos se traduz num constante fluxo de alterações históricas ao nível micro perceptível apenas ao leitor. Baxter segue o caminho oposto, com um núcleo de personagens que sabe que está a viajar entre universos que colapsam e se recorda de outros tempos. Este é o livro que nos responde a essa premente pergunta que é o que aconteceria a uma legião romana se combatesse um exército inca nos altiplanos andinos... apesar destes serem uma elaborada simulação dentro de uma vasta estação espacial.

O outro ponto de interesse desta série é o volteio que Baxter dá à hipótese gea. Devem recordar-se, aquela mistura de ciência ambiental com misticismo new age que postula que o planeta terra é um organismo consciente. Baxter vai mais longe. Imagina a vida a surgir nos primeiros tempos da expansão do universo após o Big Bang, não como formas complexas mas como colónias de organismos unicelulares que sobrevivem nos substratos rochosos do interior profundo dos planetas. Colónias que acabam por atingir sentiência. Praticamente imortais, apenas vulneráveis à aniquilação dos planetas onde vivem, comunicam através de pedaços rochosos atirados pelo espaço que trazem a vantagem adicional de semear vida nos planetas estéreis. Intrigante, esta noção de uma mente profundamente alienígena, interligada de formas inimagináveis, latente aos olhos de uma humanidade que se move num tempo fugaz perante seres capazes de viver até ao fim dos tempos. De uma humanidade que, aliás, parece ter sido criada como instrumento desta forma de vida para espalhar túneis entre o espaço-tempo pela galáxia fora. Toda a nossa evolução é um piscar de olhos das mentes-enxame unicelulares residentes nas profundezas rochosas.

A história não acaba aqui. Somos levados ao final dos tempos, ao colapso final das linhas temporais. Seria uma bela maneira de terminar o livro, mas Baxter prepara o terreno com a salvação de alguns dos personagens num passado que sendo o nosso futuro não deixa de ser antediluviano aos olhos de quem assiste ao colapso do universo. Colapso que poderá ser artificial e talvez não seja final, porque aniquila um grupo de personagens demasiado interessante para que sejam mera carne para canhão.

Será que o terceiro volume nos trará inteligências artificiais que sobreviveram para lá do espaço-tempo? Só se saberá no terceiro volume. Tendo em conta o investimento que Baxter colocou nas suas IAs, centrais à narrativa, duvido que as deixe cair no final deste segundo volume. O que sabemos que podemos esperar é uma linha temporal alternativa em que a alemanha talvez nazi se espalhou pelos espaços. Bolas. Terminar um livro com um "vira o disco e toca o mesmo" não é bom prenúncio.