terça-feira, 3 de novembro de 2015

A Night in the Lonesome October



Roger Zelazny (1993). A Night in the Lonesome October. Nova Iorque: Avon Nova.

Devo confessar que da primeira vez que me cruzei com este livro não fiquei impressionado. Experimentei-o quando descobri que havia uma algo obscura tradição de o ler no mês de outubro. Peguei, li-o como de habitual, e fiquei desencantado. A história não agarrava, apesar da mística de homenagem ao terror clássico no cinema e literatura. Afinal, estava a lê-lo da maneira errada. A Night in the Lonesome October está pensado para um outro ritmo de leitura do que o habitual pegar e ir lendo até terminar. Não é por acaso que a tradição é ler um capítulo por dia até ao dia 31 de outubro. A cadência rítmica da narrativa está pensada para este ritmo de leitura. Quando refreamos o impulso de seguir os capítulos e lemos apenas um por dia, de preferência em ordem cronológica, a história entra na mente. Nestes dias de rapidez e eficiência, é interessante experimentar um outro ritmo, uma outra temporalidade literária.

Na noite de Halloween diz-se que a fronteira entre o real e o além está mais frágil do que o habitual. Noite propícia para que criaturas das trevas se escapem aos seus territórios habituais e nos assombrem. Talvez algo mais tenebroso aguarde pacientemente as brechas para invadir e alterar a realidade tal como a conhecemos. Talvez nessa noite se trave uma luta titânica entre aqueles que usam os seus poderes para abrir as brechas e os que as fecham. Talvez essa luta seja um jogo que se repete todos os anos, em que durante o mês de outubro os jogadores se posicionem pacientemente para chegar à configuração correcta no momento crucial em que a realidade poderá ser salva ou destruída. É esta a premissa do romance de halloween de Zelazny, que recupera figuras icónicas da ficção clássica de terror como peças de um xadrez cósmico que se repete desde tempos que a memória já esqueceu.

A galeria de personagens recupera com alguma discrição figuras clássicas. O herói inesperado é Jack, com a sua casa cheia de criaturas inomináveis aprisionadas e uma tendência para uso preciso de facas afiadas nos becos da Londres vitoriana. Opõe-se directamente a Jill, personagem que encarna as visões literárias sobre bruxas, num conflito visto como jogo. Estando em lugares opostos das barricadas, entendem-se muito bem e é intuído que se complementem a todos os níveis. As outras forças em jogo incluem uma criatura saída do laboratório de um cientista dedicado a experiências tenebrosas, um reverendo padre dedicado à obra pia dos grandes anciãos cósmicos, um druida, um par de ressureccionistas, um homem abençoado com a maldição da licantropia, um monge russo, um detective sagaz que não sendo participante se apercebe que algo de grave se encontra em andamento e se dedica a perceber como intervir, e um conde vampírico, força malévola que no momento mais crucial se alia ao lado do bem porque, como observa, gosta muito do mundo tal como ele está e não o quer estragado pela acção incógnita de forças tentaculares do além-espaço. Não é difícil encontrar listagens sobre os personagens ficcionais ou reais homenageados neste livro.

A história é contada sob o ponto de vista dos animais familiares dos interventores no jogo. Acompanhamos Snuff, o cão de Jack, nas suas tarefas diárias de perceber as linhas da geometria mística da cerimónia enquanto se esquiva às tentativas de sedução de uma criatura demoníaca aprisionada que assume as formas de sensuais cadelas, sem perceber que o cão o distingue pelo faro. Snuff tem uma profunda amizade com Graymalk, a gata de Jill. Sabem que estão em oposição, mas ajudam-se mutuamente.  O homem e o seu cão, a mulher e a sua gata, alternando entre amizade e oposição. A metáfora sobre o dualismo é óbvia e sublinhada num final em que os dois inimigos regressam juntos a casa depois do triunfo do bem sobre o mal. Afinal, é tudo um grande jogo, que se repete numa circularidade sem fim.

Último romance de Zelazny, talvez inspirado pela frase Jack and Jill went down the hill que encerra o livro, sublima em sátira de horror a influência literária de Shelley, Stoker, Doyle, Stephenson, Lovecraft cruzada com a iconografia dos filmes clássicos de terror da Universal. Lê-se ao ritmo de um capítulo por dia, de um a trinta e um de outubro. De preferência à noite, porque o livro é exímio em conjurar as criaturas noctívagas do horror.