sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Leviathan Wakes


James S. A. Corey (2011). Leviathan Wakes. Nova Iorque: Orbit.

A vontade comparar este livro com Ancillary Justice, de Anne Leckie, é enorme.  Ambos são space operas que recuperam a grandiosidade barroca desta vertente da ficção científica. Assentam em sólidos e vastos mundos ficcionais, em parte explorados com detalhe ao longo da progressão narrativa, mas a deixar intuir outros elementos intrigantes para lá do que nos é contado. Ambos são romance-périplo, com personagens que percorrem vastidões espaciais a resolver os seus conflitos. Mas terminam aqui as similaridades. A obra de Leckie não teme as questões de multiplicade cultural e género (que são, aliás, os seus pontos mais centrais). Já Leviathan Wakes foge por completo a estas questões. É uma space opera à moda antiga, descontraída, que não se preocupa com temáticas profundas e segue alegremente o caminho de um militarismo aventureiro quase heinleiniano.

Há aqui um certo risco de entrar em caminhos de sad puppies, com este elogio à space opera de aventura militarista, longe das questões mais complexas que a ficção científica contemporânea se atreve a abordar. Mas não. Há espaço no género para as várias abordagens, e se sabe muito bem mergulhar em obras complexas e questionadoras de limites sociológicos, também sabe bem desligar a complexidade e aproveitar um assumido mimo para a imaginação, especialmente um mimo tão bem escrito e desenvolvido como este. Um dos crimes dos sad puppies e sua igualha foi o de instrumentalizarem vertentes mais clássicas da FC para defender as suas visões retrógradas de intolerância tacanha e nostalgia por um tempo onde minorias ditavam o curso das sociedades (algo que em muitos níveis ainda não nos libertámos).

A  série Expanse dá-nos um futuro não muito distante em que a humanidade se espalhou pelo sistema solar. A Terra e Marte são os grandes centros de poder politico e militar, com a míriade de entrepostos que coloniza a cintura de asteróides, as luas de Júpiter e estações espaciais intra-solares como territórios disputados entre a semi-independência e a ingerência das potencias do sistema. São civilizações interdependentes mas de culturas radicalmente diferentes. As fronteiras do sistema foram abertas graças a uma tecnologia de propulsão nuclear que permite às naves atingir velocidades sub-lumínicas e encurtar os tempos de travessia entre planetas e entrepostos, e nada mais para além disso. A humanidade está trancada nos limites do sistema solar. Nada de viagens instantâneas e warp speeds. A série procura ser verosímil mesmo quando se vê obrigada a esticar os limites da ciência.

O delicado equilíbrio de forças é posto em causa através de uma série de acontecimentos que provocam uma guerra intra-estelar entre terrestres, marcianos e independentistas da cintura de asteróides. Somos guiados de forma exímia ao longo de uma narrativa que nos mostra que a guerra é uma diversão que oculta uma conspiração. A descoberta de um artefacto alienígena, uma bio-arma de consequências imprevisíveis, é utilizada por uma corporação para alterar radicalmente o equilíbrio de poderes no sistema, com a guerra como distração para ocultar horrendas experiências de bio-engenharia. A história desenrola-se através das peripécias da tripulação sobrevivente de um cargueiro que se depara com uma nave à deriva por entre os asteróides mais isolados, e um polícia que investiga o desaparecimento da herdeira de uma das maiores fortunas terrestres que vive uma vida de rebeldia como agente ao serviço dos independentistas da cintura de asteróides.

E mais do novelo narrativo não revelo. Uma boa parte do prazer de ler este livro é a forma como as peças da linha narrativa se encadeiam com uma lógica que que não conseguimos antever. O resto são as empolgantes batalhas espacias entre naves. O livro é essencialmente uma belíssima desculpa para imaginar e descrever ao pormenor as tecnologias futuristas das aguerridas marinhas espaciais. Não é por acaso que esta série foi escolhida pelo canal SyFy para desenvolvimento televisivo. Mistura de forma exímia acção, aventura e intriga num sólido mundo ficcional de iconografia clássica. Representa na perfeição a vertente mais lúdica e descomplexada da ficção científica.