terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Interzone #259


 Uma edição de contos medianos, embora alguns se destaquem por partir de premissas interessantes. O pormenor digno de nota desta Interzone é a coluna de opinião de Nina Allan, onde esta arrasa a fantasia medievalista de Lord of the Rings a A Song of Ice and Fire, caracterizando-a como simplista e retrógrada: "to default to a set of clichés that have long outworn their usefulness, an iconography that has its basis in an already corrupted and falsified version of the Middle Ages, in which men were men, knights rode forth from castles and women stood around waiting to be raped or have men kill dragos for them". E continua. Suspeito que se fosse mais lido, este artigo granjearia à escritora imenso ódio da parte dos fãs irredutíveis das espadas empunhadas por barbudos possantes. O verdadeiro tema é a representação da mulher neste género de ficções, que Allan considera patético. Kudos, Nina Allan, por apontar as óbvias incongruências de um género comodista que pessoalmente defino como meter a cabeça na areia e imaginar que o futuro nunca irá acontecer... porque a ciência e tecnologia é um bicho estranho e assustador, obrigam a pensar, e é muito mais prazeiroso regredir a um passado de homens másculos e belas princesas frágeis à espera de ser salvas. Um passado que nunca existiu.

Silencer - Head Like A Hole Remix, E. Catherine Tobler: Depressa se percebe que a história de dois adolescentes armados presos num ciclo de tiroteios em escolas ao longo de diferentes épocas é uma reacção à tradição americana de tiroteios em sala de aula. Uma reacção que pretende ser lancinante, mas não passa do incoerente.

The Deep of Winter, Chris Butler: E, de vez em quando, a Interzone surpreende. Por detrás desta aventura numa cidade gelada, construída sobre as ruínas de um cataclisma passado, está um conceito de excelência na FC. Uma cientista desenvolve uma forma eficaz de comunicação verbal, transmissível como vírus, mas decide testá-la interferindo com um mundo paralelo que se toca com o seu em intervalos de séculos. É o momento da passagem que irá despoletar a catástrofe que arrasa as cidades, facilitando a infecção dos habitantes com um vírus que provoca a emanação de esporos empáticos que aprofundam a comunicação interpessoal. A história é contada a duas vozes, a de um soldado que desce às ruínas para investigar casos de pessoas desaparecidas e da cientista, mantida viva ao longo dos séculos num ciclo de hibernação que lhe permite monitorizar a sua experiência.

Rush Down, Roar Gently, Sara Saab: Ostensivamente, um conto sobre uma antiga amizade desvanecida pelo tempo e pela história violenta do Líbano. Mas a verdadeira história é a de uma homenagem nostálgica à cidade de Beirute, revista aqui sob um dilúvio torrencial que ameaça afundar a cidade.

After His Kind, Richard Strachan: Outro conto que parte de uma premissa interessante. O único sobrevivente de uma nave despenhada num novo planeta descobre uma curiosa propriedade nos vermes que encontra no solo alienígena. Podem gerar uma espécie de clones a partir da informação genética contida nas células. Com isto, o astronauta perdido pode dar um novo sentido à expressão crescei e multiplicai-vos, originando uma espécie humanóide que nasce a partir de vermes do solo.

Edited, Rich Larson: por detrás de um conto aparentemente descomplexado sobre testosterona adolescente, reside uma forte reflexão sobre as consequências éticas da bio-modificação. Quando três amigos se juntam para celebrar o regresso de um das operações de melhoria e eficiência corporal, descobrem que alguns traços de personalidade foram eliminados de acordo com a vontade dos pais. Um deles é a tendência homossexual do jovem que foi melhorado por terapias de modificação que, infelizmente, o autor não especifica mas caem dentro daquilo que os trans-humanistas tanto gostam de apregoar.

Midnight Funk
, Mack Leonard: A encerrar esta edição, uma tradição anual. A Interzone assegura a publicação do vencedor do primeiro prémio de um concurso literário destinado a autores não-profissionais. Este conto, às voltas com a percepção que temos do bom gosto musical e com uma premissa que envolve radio-frequências inaudíveis que prejudicam a audição de música, parte de algumas ideias interessantes.