sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Há outra Humanidade no Interior da Terra?



Hugo Rocha (1987). Há outra Humanidade no Interior da Terra? Odivelas: Europress.

Confesso que tenho um fraquinho não explicável pelas teorias da terra oca. Eu sei. Não faz sentido, não têm qualquer base científica, mas para além da ideia com o seu quê de exploração romântica, fascina a paixão que desperta nos seus crentes. De certa forma, é ficção em estado puro, longe de um real que a desmente mas ainda não trabalhada por substratos culturais e estruturas narrativas.

Tem o seu quê de fascinante, o imaginar de mundos fantásticos e exóticas civilizações que se ocultam, desconhecidas e inexploradas, no subsolo planetário. Verne e Burroughs foram os que nos legaram obras mais conhecidas, com a Viagem ao Centro da Terra e a série Pellucidar. É um tema que tem sido explorado na literatura fantástica, e que na literatura para-científica, de temáticas ocultistas, batido até à exaustão por autores que oscilam entre o charlatão e o alucinado. Boa parte centra-se na tradição oculta de seres superiores da antiguidade, de poderes e ciência vastamente superior à nossa, que mantém civilizações perfeitas ocultas sob a terra. Revelar-se-ão no momento em que a humanidade se mostrar digna de tal. Até lá deixam pequenos vislumbres na mente de iniciados nos verdadeiros segredos do mundo. Boa parte deles charlatães puros, que encontram nas legiões de seguidores uma forma financeira segura e fácil de fazer pela vida. Sábios ocultos, herdeiros da Atlântida, místicos de Shamballa, seguidores de Melchisedek, o rei oculto do mundo. Há um padrão de fascínios com aristocracias e ideias incompreensíveis. O lema é quanto menos compreensível, maior a profundidade da sabedoria.

Estes caminhos esotéricos interessam-me pouco. Mais divertidos são os caminhos para-científicos, que postulam a existência de buracos nos pólos terrestres, que dariam acesso a um interior planetário oco, iluminado por um sol central, onde antigas civilizações se refugiam, animais antediluvianos sobrevivem nas selvas primevas, e de onde saem os OVNIs para nos atazanar. O facto desses factos serem desconhecidos e negados por uma ciência que cartografou exaustivamente as regiões polares, dos relatos das expedições científicas serem radicalmente omissos nisso, ou de não aparecerem buracos polares nas fotos de satélite, deve-se claramente a uma conspiração governamental ao mais alto nível. Claro, como não poderia deixar de ser. Há quem misture um pouco de mitologia nazi e sonhe com bases ocultas sob a Antártica, que mantêm viva a chama do III Reich.

Como não achar este ideário divertido, ressalvando que são ficções com o seu quê de alucinatório?

O jornalista e escritor Hugo Rocha é um dos nomes clássicos do fantástico português. Jornalista portuense, legou-nos os seus (nada fáceis de encontrar) Contos Fantasmagóricos, que suspeito serem válidos mais pela raridade de escritores portugueses a explorar este género do que pela sua real qualidade. Também foi escritor de obras sobre esoterismo e ovniologia, livros esses que têm um público mais alargado e influenciável do que a ficção fantástica. Este é um deles. Aresposta à pergunta que se coloca é uma recolha bibliográfica que mistura ficção clássica (Verne e Lytton) e muita obra de índole esotérica. É um livro confuso, escrito numa prosa sincopada onde as crenças e opiniões pessoais do escritor interferem com o resumir dos textos relatados. O foco está na tradição esotérica e percebe-se que Rocha acredita mesmo naquilo que escreve.

A óbvia reposta à pergunta do livro está num rápido comentário do Carlos Imaginauta Silva : não, logo na primeira página. Algo que os crentes nestes ideários recusam, apontando que a falta de prova científica é em si prova da sua existência, mantida oculta por seres que querem permanecer secretos. O livro em si não abona muito quanto às capacidades de escrita deste autor. Entre o lamaçal de ideias e o de escrita, esta não é uma boa leitura. Mas, lá está : quanto mais incompreensível, mais se comprova a profundidade do tema, acessível apenas aos iniciados mais iluminados.