quinta-feira, 17 de novembro de 2016

I Am Providence


Nick Mamatas (2016). I Am Providence. S. Francisco: Night Shade Books.

Ando a perguntar-me se Nick Mamatas não sofreu uma fatwa por parte dos lovecraftianos inveterados, estando agora oculto em parte incerta temendo as hordes pulsantes de fãs irados, armados com cthulhus de peluche para o espancar até à morte. Se pegarem neste livro como uma história de terror lovecraftiana, inspirando-se nos mythos do escritor de Providence para expandir um nicho de ficção muito do agrado dos conhecedores de literatura fantástica, desenganem-se. Há uma história, claro, mas pouco aterrorizante, mais em mistério policial do que no vácuo cósmico niilista que esperamos deste género de ficções.

Mamatas leva-nos ao fandom profundo, numa história onde a maior convenção de fãs de Lovecraft, reunida (onde mais?) em Providence, se torna o palco de dois assassínios misteriosos. Sendo a linha narrativa do livro, não é o que lhe dá interesse. O que torna esta leitura intrigante e divertida é o mergulho que Mamatas faz no espírito do fandom. É um mergulho profundo, e profundamente caricatural. Extrapola e exagera as idiossincrasias dos fãs mais ferrenhos, caricaturando-os de forma corrosiva. Aliás, caricaturando-nos. Todos nós somos fãs de ficções de género, com as nossas bizarrias, ódios de predilecção, livros e  autores que defendemos contra todos e acima de tudo. Vou assumir que este texto não vai ser lido por fãs de futebol, ou amantes exclusivos da literatura mainstream. Na rara eventualidade de alguém destes círculos pegar nestas linhas, não irá compreender o caricaturando-nos.

É por isto que o romance pode ser potencialmente ofensivo. Se se for daqueles fãs que passa horas em fóruns online, discutindo até à exaustão em tons especialmente exaltados nas redes sociais, se entra em despiques por causa de críticas que não gosta, ou se o limiar entre fã ferrenho e troll já tiver sido ultrapassado, ler este livro é deitar gasolina no fogo interior que anima este tipo de fãs. A caricatura é corrosiva, e não poupa ninguém, desde os cosplayers aos aspirantes a escritor, sem esquecer os académicos (inevitavelmente, nem S.T. Joshi escapa). Mas se se for daqueles fãs que gosta das leituras, se intriga com os ideários, discute em tom de partilha, mantém a distância crítica entre a obra e a personalidade do escritor (que, no caso de Lovecraft, é de um muito, para os dias de hoje, incómodo racismo misógino ultraconservador, por muito que o tentemos relativizar com comentários do tipo mas naquela época isso era normal), vai perceber a piada deste I Am Providence.