domingo, 18 de junho de 2017

Visões



Wonder Woman (Patty Jenkins, 2017)

É raro, mas acontece. Ir ver um filme sem quaisquer expectativas, e sair da sala de cinema contente, tendo visto uma boa surpresa cinematográfica. Eu nem sequer tinha planeado ir ver este Wonder Woman, não sendo uma das minhas personagens favoritas do universo DC, mas depois de umas horas a vaguear na Feira do Livro num dia com temperaturas a rondar os 40º, precisava de um cinema com ar condicionado... e o único filme apelativo no UCI El Corte Inglés era este.



Como personagem de comics, Wonder Woman nunca me cativou por aí além. Era interessante como símbolo, mas toda aquela construção narrativa de semi-deusa poderosa mas rendida aos dramas dos humanos nunca me tocou. Mesmo na época em que George Pérez esmagou a série sob um brilhante estilo neoclássico, a remeter para a tradição greco-romana que está subjacente à personagem. Não resisto à comparação. A Marvel também inclui semi-deuses gregos no seu universo, mas Hércules é um personagem muito, muito secundário. Na DC, a semi-deusa amazona é um dos pilares do universo da editora.

Como filme, quase nem nos apercebemos que se trata de um filme de super-heróis. É esse, talvez, o seu melhor ponto. Toda a história se desenrola como uma aventura clássica ao estilo Hollywood, com personagens de moralidade duvidosa, que não olham a meios para fazer sempre a coisa certa, em aventuras rocambolescas cheias de acção. Apesar de toda a história de Diana, a Mulher Maravilha, ser central no filme, a vertente super-herói é deixada de lado, tornando-a mais uma personagem de aventuras. Uma que oscila entre a coragem e ingenuidade, fazendo contraponto aos inadaptados de bom coração que se unem, arriscando o sacrifício, numa missão impossível para travar uma arma de extermínio que poderia mudar o curso da I Guerra Mundial.

Apesar de não sublinhar o lado super-heróis, o filme tem espantosas cenas de acção. Aí, o filme brilha, explosivo, com coreografias excepcionais de luta filmadas com bom ritmo, em encadeamentos de acção que não deixarão os espectadores indiferentes. O realizador tira bom partido dos poderes da personagem, fazendo-a brilhar de uma maneira eminentemente física.Gail Gadot encarna a personagem como uma luva. Consegue ser ao mesmo tempo altiva e impositiva, ou ingénua e corajosa. Tem uma presença que enche o ecrã e captura a lente da câmara. Foge também ao estereótipo de Wonder Woman como all american girl, com as curvas voluptuosas e uniforme que as sublinha. Gadot é mais atlética, com uma beleza mais europa do sul do que americana, e retira muita da sexualização simplista de que é impossivel dissociar Wonder Woman nos comics. Apenas falha no confronto entre alguém saído de uma ilha isolada do tempo e o mundo moderno. Diga-se que aí o filme perde muito, levando demasiado longe o comic relief das incongruências e incompreensões da princesa das amazonas perante os usos e costumes do princípio do século XX.

Mesmo sem conhecer bem a história de Wonder Woman, sei que o filme tomou algumas liberdades com o historial da personagem. Vinda da era dourada dos comics, iniciou-se nas lutas contra o mal na II Guerra e não na primeira, como mostra o filme. No entanto, o mundo dos comics é conhecido pela forma fluída como encara as continuidades e histórias de origem, em constante reinvenção. Estes atropelos cinematográficos não prejudicam a personagem. Quanto ao filme, é uma excelente surpresa, convincente, divertido, com doses certas de drama e acção, estilisticamente bem conseguido. Zack Snyder foi um dos produtores, e nota-se um dedinho dele na estética de poses hieráticas e cores saturadas deste filme. É obra de entretenimento, claro, mas é-o sem defraudar expectativas ou querer fingir ser mais do que isso.